A saúde é um bem diferente dos demais pois tem a ver com a qualidade e
mesmo com a vida humana.
Portugal foi um dos países onde os ganhos em saúde foram maiores nos
últimos 30 anos, estando entre os melhores do mundo. Estes progressos
traduziram-se em ganhos na saúde pública como a diminuição da mortalidade
infantil e o aumento da qualidade e esperança de vida.
Foi pela criação de um Serviço Nacional de Saúde, em que todos têm
direito à proteção à saúde, universal e tendencialmente gratuita, que todos
estes ganhos foram alcançados e que se traduzem numa conquista civilizacional.
Pode dizer-se que em Portugal se viveu até 1946 com a assistência,
pública e particular, o mutualismo e o seguro social obrigatório surgido em
1935; de 1946 a 1976 coexistiu a assistência pública e o seguro social
obrigatório; em 1976 a Constituição dita no seu Art.º 64º que todos os cidadãos
têm o direito à proteção da saúde e o dever de a defender e promover; em 1979 é
criado o Serviço Nacional de Saúde (Lei n.º 56/79 de 15 de Setembro) que
predomina largamente; em 1990 é publicada uma reforma do S.N.S.
É a partir de 1974 que surgem as condições políticas e sociais que
permitem um envolvimento do Estado na satisfação dos serviços sanitários, com
mais profundidade com a criação do Serviço Nacional de Saúde em 1979.
A reforma do Serviço Nacional de Saúde implementada em 1993 aponta três
aspetos relevantes para o bom funcionamento da atual política de saúde. São
eles: a responsabilidade do Estado pela proteção da saúde; a gratuitidade e a
forma do seu financiamento; a natureza da entidade, serviço ou instituição
prestadores dos serviços de saúde.
A implementação do Serviço Nacional de Saúde em 1979, define que o
acesso à saúde é gratuito, mas contempla a possibilidade de criação de taxas
moderadoras, com o fim de racionalizar a utilização das prestações. É a forma
utilizada pelo Estado para, por um lado, moderar a utilização das prestações de
saúde e, por outro lado, obter recursos que ajudem ao seu financiamento,
garantindo isenções às classes económicas mais desfavorecidas.
Ao prever a gestão das instituições e serviços do Serviço Nacional de
Saúde por entidades público-privadas, a responsabilização dos utentes pelo
custo da saúde (seguros de saúde), ou seja, a responsabilização conjunta e não
unitária pela prestação da saúde, o Estado afastar-se-á progressivamente,
obrigando os utentes a suportar os custos dos cuidados da sua saúde, ficando
para o Estado a função supletiva, embora relevante, que tinha antes de 1976.
Assim, as desigualdades existentes entre os extratos da população
poderão contribuir para uma cada vez maior diferenciação no acesso aos cuidados
básicos de saúde, restando para as classes desfavorecidas economicamente a
sujeição ao papel da assistência pública proporcionada pelo Estado. Passaremos
a ter uma melhor saúde para uns em detrimento de pior saúde para os outros.
A preservação de um Serviço Nacional de Saúde em que todos tenham
direito à proteção à saúde, universal e tendencialmente gratuita, impõe que se
repense e debata em profundidade o modelo vigente, que se encontrem formas de
sustentabilidade, racionalizando alguns serviços considerados supérfluos, se
criem novas formas de rentabilização dos serviços prestados evitando
desperdícios, se repensem as formulas de financiamento, a aplicação de taxas
moderadoras progressivas em função da condição económica dos utentes, para
que se combatam os constrangimentos financeiros existentes e se evite a erosão
qualitativa dos serviços de saúde pública.
Como atrás se referiu, o princípio da satisfação do direito à saúde
assente na responsabilização conjunta dos cidadãos, da sociedade e do Estado,
em liberdade na procura e na prestação de cuidados básicos de saúde, pode levar
a uma progressiva privatização da saúde, o que se torna incompatível com a
lógica económica que domina a atividade privada, o que por certo levará à
degradação da qualidade dos serviços e ao aumento dos custos a pagar pela
população.
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