terça-feira, 21 de abril de 2020

A História da Humanidade, as suas Epidemias e Pandemias

Vivemos atualmente um momento histórico em consequência da Pandemia do COVID-19, um dos sete coronavírus humanos, considerado inicialmente um surto, e que de epidemia, evoluiu depois para pandemia.
Identificado pela primeira vez na cidade de Wuhan, capital da província de Hubei, na China, no início de dezembro, do ano passado, os primeiros casos desta doença só foram divulgados no último dia do ano.
Um mês depois, em 30 de janeiro deste ano, a OMS declarou que este surto «constitui uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional», e, embora já estivesse difundido pelos cinco continentes, só o considerou como Pandemia a 11 de março de 2020.
Presentemente, em termos mundiais, o número de casos ronda os 2,4 milhões de infetados, 537.000 curados e 167.000 mortes registadas. Na Itália o número de vítimas já ultrapassa o número ocorrido na China, país onde o surto surgiu pela primeira vez.
Foram confirmados no dia 2 de março os primeiros casos em Portugal, de início no norte, espalhando-se rapidamente por todo o território nacional, incluindo Madeira e Açores.
O termo epidemia provém da fusão dos termos gregos epi, que significa “sobre” e demos que significa “povo”, ou seja, algo que se derrama pela população causando alarme e medo.
A Pandemia é considerada como o pior dos cenários para a saúde humana. Também de origem grega, esta palavra é a união de pan que significa “tudo ou todos” e demos que, como se refere acima, significa “povo”. Caracteriza-se quando a doença, em fase epidémica, se generaliza pelos indivíduos localizados nas mais diversas regiões, como um continente ou mesmo todo a planeta.
Temos como exemplos mais recentes, em 2009, quando a Gripe A passou de Epidemia a Pandemia, após a OMS ter verificado existirem casos desta doença espalhados em todos os continentes, assim como aconteceu com a SIDA.
Desde os tempos mais remotos têm existido episódios de epidemias e pandemias por todo o planeta, com números elevadíssimos de vítimas e consequências nefastas, quer a nível social, quer económico ou político.
A maior pandemia de que temos conhecimento na antiguidade ocorreu entre 430 a 427 a.C., durante a guerra do Peloponeso, apelidada de Peste de Atenas, Praga de Atenas, ou a Peste de Egipto, tendo vitimado dois terços da população daquela cidade. Originada na Etiópia, espalhou-se rapidamente pela população, que estava confinada pelo cerco das tropas espartanas.
Em 250 a.C. surgiu a Peste de Cipriano, nome atribuído em reconhecimento ao bispo de Cartago. De origem desconhecida pensa-se que tenha começado na Etiópia e, espalhando-se pelo norte de África, passou o Egipto, acabando por chegar a Roma. Vitimou mais de metade dos habitantes de Alexandria, e atingiu a Grã-Bretanha, no ano de 444, obrigando os Bretões enfraquecidos a procurar a ajuda dos Saxões para combater os Escotos e os Pictos.
Apesar de apelidada de “peste”, os sintomas descritos não são mesmos dos da peste bubónica.
Na Antiguidade, “peste” era sinónimo de enfermidade contagiosa e de elevada mortalidade.
O vírus responsável pela “Peste de Cipriano” é, ainda hoje, um enigma. Pode ter sido uma febre hemorrágica viral ou uma gripe causada por um vírus idêntico ao que causou a Gripe Espanhola em 1918. Estava-se na segunda metade do século III e as ruas de Alexandria estavam pejadas de cadáveres. A fome, a violência e os tumultos causavam estragos em toda a cidade. A epidemia, que começou na Etiópia, alastrou pelo Egipto, ameaçando destruir todos os habitantes de Alexandria.
A Peste Antonina, também conhecida como a Peste de Galeno, surgiu em 165 a.C. Pensa-se que foi um surto de varíola ou sarampo, que afetou de início os Hunos e acabou por alastrar a todo o Império Romano. Marco Aurélio, apesar de se lhe ter atribuído a morte a causas naturais, presume-se que tenha sido vítima desta doença.
Considerada como a primeira pandemia historicamente documentada, a Praga de Justiniano ocorreu entre 541 e 750 da nossa era, e foi o primeiro caso de peste bubónica que vitimou aproximadamente 50 milhões de pessoas, ou seja, mais de metade da população europeia. Com origem no Egito, generalizou-se pelo Império Bizantino (no tempo do imperador Justiniano I “o Grande”) chegando até ao Mediterrâneo.
No século XI, a Lepra, também conhecida como a doença de Hasen, devastou a Europa. Esta doença era, na idade média, encarada como um castigo divino, considerando-se que os doentes tinham sido amaldiçoados.
Aquela que veio a ser considerada como a maior pandemia da história da nossa civilização, a Peste Negra ou Peste Bubónica, iniciou-se em 1347 na Ásia Central, devastando a Europa, em consequência da falta de saneamento, dizimando entre 25 a 75 milhões de vítimas.
Em consequência da colonização de alguns países por outros mais desenvolvidos, doenças inexistentes em alguns continentes evoluíram para pandemias, exemplo: varíola e sarampo. Quando em 1496 Cristóvão Colombo chegou à América, os Tainos, povo indígena das Caraíbas, eram cerca de 60.000, e, em 1548 eram menos de 500. O sarampo e a peste negra são responsáveis pela morte de cerca de 90% da população. O império Asteca foi dizimado por um surto de varíola.
Em 1665 Londres foi assolada pela peste bubónica, conhecida como a Grande Peste de Londres, que causou a morte a cerce de 20% da população. No ano seguinte Londres foi abalada por um grande incêndio, quando ainda estavam a recuperar da trágica peste.
O vírus da Gripe, em 1580, na Ásia, deu origem às primeiras notícias de pandemias. Em 6 meses o vírus espalhou-se pela Europa, África e, mais tarde, pela América do Norte, matando cerca de 10% da população nas zonas afetadas.
Em 1729, a Gripe voltou a atacar na Rússia, tornando-se pandémica. Alastrou depois, em 1732, por todo o mundo dizimando, em 36 meses, cerca de 500 mil pessoas. Na China ocorreu outra pandemia (1781), que veio infetar a Europa em 6 meses, e, em 1830, nova pandemia de gripe, inicialmente na China, infetou cerca de 25% da população, ao passar pela Ásia, Europa e Américas.
Além da gripe, outras doenças deram origem a pandemias, como a cólera, que nos trouxe 8 grandes pandemias que afetaram o mundo inteiro.
-      A primeira Pandemia de Cólera (1816) da série, terá começado na Índia, alastrando pela China até à república do Azerbaijão, Cazaquistão, Turquemenistão e Rússia, espalhando-se posteriormente pelo mundo. Vitimou à volta de 150.000 pessoas.
-      A cólera teve início na Europa em 1832, alastrando para a Inglaterra, Estados Unidos e Canadá.
-      Aquela que terá sido a Pandemia de Cólera mais devastadora de sempre, surgiu em 1852 e devastou a Rússia, causando mais de um milhão de mortes.
-      Entre 1863 e 1875 expandiu-se rapidamente pela Europa e África.
-      Em 1866 a América do Norte é fortemente contaminada.
-      A cólera atingiu principalmente a Alemanha, em 1892, causando mais de 8.000 mortes no país.
-      A Rússia é particularmente atingida pela cólera em 1899 mas, com o avanço da saúde pública, a Europa pouco é afetada.
-      Em 1961 surgiu na Indonésia, alastrando para o Bangladesh até à Índia, chegando à Rússia em 1966.
Uma nova vaga de Peste Bubónica teve início na China em 1855 e espalhou-se com rapidez pela Índia, atingindo Hong Kong, estimando-se que tenha vitimado 15 milhões de pessoas e que só tenha sido extinta em 1960.
Uma epidemia de sarampo na Austrália acabou por virar Pandemia de Sarampo nas Ilhas Fiji (1875). Estas ilhas eram colónias britânicas, cujo chefe Ratu Cakobau veio infetado após o regresso de uma visita àquele continente, acabando por disseminar esta doença. Morreu um terço da população das ilhas, 40 mil pessoas.
A Gripe Russa apareceu em 1889. Uma Pandemia que começou na Sibéria, alastrou ao Cazaquistão e se difundiu pela Europa, América do Norte e África. Em 1890 tinha já provocado cerca de 360.000 mortes.
Desconhecesse-se a origem geográfica da Gripe Espanhola, Gripe Pneumónica, Peste Pneumónica ou apenas Pneumónica, pandemia que apareceu em 1918, espalhando-se pelo mundo até ao ano seguinte.
Esta designação de “Gripe Espanhola” deve-se ao facto de ter aparecido no auge da Primeira Grande Guerra, na qual estavam envolvidas as grandes potências mundiais. De um lado os aliados, Grã-Bretanha, França, Império Russo e os EUA, e do outro a Alemanha e Áustria-Hungria. Os países em confronto tentavam a todo o custo suster informações sobre a doença, para evitar o desânimo na sua população com notícias sobre grande número de civis doentes ou a morrer.
Como país neutral, a Espanha não necessitava de ocultar a informação, e noticiava “a informação completamente errónea” de que tinha sido o foco da doença e que a sua população era a mais castigada.
 A primeira notícia sobre esta doença apareceu no jornal espanhol El Sol a 22 de maio de 1918.
São várias as suposições aonde terá começado. Para uns, esta pandemia terá tido o seu início e sido espalhada depois a partir de um acampamento militar no Kansas (Estados Unidos), entre os militares que mais tarde viajaram para a Europa, outros, tendem a admitir que se terá iniciado a partir da base militar de Etables, no norte da França, outros ainda, admitem que terá sido disseminada através dos soldados indochineses que lutaram em França entre 1916/1918.
A guerra existente terá sido a consequência do grande desenvolvimento desta doença. A concentração de milhões de soldados criou as condições necessárias para o desenvolvimento de estirpes de vírus mais agressivos e facilitou a sua propagação pelo mundo, infetando cerca de um terço da população mundial, sendo a doença infeciosa que causou o maior número de vítimas. Pelo período de um ano terá causado a morte a cerca de 5% da população, à volta de 50 a 100 milhões de mortes em todo o mundo, e entre 50 a 70 mil em Portugal, entre 1918/19.
Considerada a maior pandemia mundial conhecida até hoje, a Gripe Espanhola causou mais mortes que a Peste Negra ao longo de vários séculos, quase três vezes mais que o números de mortes na Primeira Grande Guerra, contagiando cerca de 500 milhões de pessoas e matando mais em 25 semanas do que a SIDA em 25 anos, tendo sido 25 vezes mais fatal, quando comparada com outros vírus idênticos.
Os primeiros casos da gripe pneumónica em Portugal sucederam em maio de 1918, dizimando em dois anos 59.000 de pessoas, com uma taxa de mortandade de 9,8%, ultrapassada penas, na Europa, pela Espanha, Itália e Hungria.
O Dr. Ricardo Jorge, diretor-geral de então no sector da saúde, liderou o combate à doença, ao ser nomeado comissário-geral do governo na luta contra a epidemia. Um pouco à semelhança da situação atual, as escolas foram encerradas, proibidas as feiras e romarias, e, como medida profilática, a população foi aconselhada a lavar as mãos com frequência e cobrir a boca e o nariz ao espirrar. Dezenas de espaços públicos foram disponibilizados como enfermarias e, face ao grande número de vítimas ao longo de várias semanas, viveram-se situações de verdadeiro caos.
A Gripe Asiática, surgiu em fevereiro de 1957 como uma das maiores epidemias de gripe. O seu início foi no norte da China, expandindo-se o vírus rapidamente e atingindo, em cerca de 2 meses, Singapura e Hong Kong, disseminando-se a partir daí para a Austrália, Índia, África, Europa e os Estados Unidos. Em cerca de 10 meses estava presente em todos os países. No dia 7 de agosto, através do desembarque de passageiros vindos de África no navio “Moçambique”, esta gripe entrou em Portugal. Em todo o mundo 1,1 milhões de pessoas foram vítimas desta Pandemia.
A Gripe de Hong Kong surgiu em julho de 1968 onde foi detetado o primeiro caso, vindo a causar impacto na Guerra de Vietname, ao ser levada para os Estados Unidos, disseminando-se o vírus rapidamente pelo mundo. Ao fim de 3 meses estava na Europa, Austrália, Índia e Filipinas, matando cerca de 1 milhão de pessoas. Só em Hong Kong foram 500 mil, 15% da sua população.
O VIH/SIDA veio em 1981. A sua disseminação aumentou rapidamente nos EUA no início dos anos 80. Identificada a sua origem em chimpanzés, em África, mais de 35 milhões de pessoas foram vitimadas por esta doença. Os avanços da medicina permitem aos pacientes o controlo da doença, mas ainda não a sua cura.
Inicialmente designada de gripe suína, nova Pandemia de Gripe surgiu em 2009, depois rotulada de Gripe A em abril desse ano. Foi um surto inicial duma variante de gripe suína acorrida no México, em março, e que veio a atingir a Europa e a Oceânia. Esta Pandemia de gripe causada pelo vírus H1N1, vitimou 203 mil pessoas em todo o mundo devido a problemas respiratórios, afetando principalmente as pessoas mais novas (5 a 24 anos) e as populações dalgumas regiões do continente americano.
Estudos indicam que o número de mortes em países como a Argentina, Brasil e México, foi 20 vezes maior que países menos atingidos, como a Nova Zelândia, Austrália e grande parte da Europa.
Através de várias campanhas de vacinação, estamos hoje melhor preparados para enfrentar uma nova pandemia, face aos progressos nas tecnologias de comunicação que nos permitem uma reação mais rápida à ameaça de uma nova contaminação.
Temos hoje à nossa disposição novos recursos que nos podem ajudar a prever o avanço do contágio por um vírus. É o caso de termómetros inteligentes ligados à internet, cujas medições permitem detetar o seu início em qualquer local do mundo, de simulações computorizadas e de inúmeros medicamentos disponíveis. Apesar disto, no mundo global em que vivemos, um vírus pode generalizar-se mais facilmente e surpreender-nos pela sua resistência às terapias existentes ou gerar mutações, criando novas variantes, contagiando outras espécies, incluindo o ser humano, tornando, por isso, necessário desenvolver rapidamente novos medicamentos capazes de os destruir.
Outras doenças como o Ébola, o Zika, o Dengue e o Chikungunya, são patologias de preocupação mundial pela sua enorme facilidade de contaminação e que podem dar origem a grandes pandemias, sendo objeto de estudo intensivo por parte da comunidade científica. Alguns investigadores e cientistas, assim como especialista em doenças infeciosas David Quamen, afirmam que com o corona vírus controlado, o mundo precisa de se preparar para a próxima pandemia, pois, mais tarde ou mais cedo, novos surtos pandémicos surgirão.
A “Campanha pela Natureza” do National Geographic afirma que no futuro haverá mais doenças com o COVID-19, em consequência de vários fatores, entre os quais a contínua desflorestação e a conversão de animais selvagens em animais de estimação, em alimentos ou em medicamentos, ao mesmo tempo, que para vários ambientalistas, o aumento do risco de contrair novos vírus se deve ao aumento da população em todo o mundo.
É importante que sejam tomadas medidas urgentes e se criem novos regulamentos com a finalidade de protegermos o planeta, e muitos investigadores alertam-nos para isso.
Referências:
Gripe pneumónica, a pandemia de 1918-19
Principais pandemias
Centenário da Gripe Espanhola, que de Espanha só tem o nome
Pandemia de gripe de 2009 matou mais pessoas do que se pensava
Revisitando a espanhola: a gripe pandémica de 1918 no Rio de Janeiro
A praga de Cipriano, a estranha epidemia que causou a queda de Alexandria
A epidemia pneumónica em Portugal no seu tempo histórico
A medicina e a influenza espanhola de 1918

quarta-feira, 1 de abril de 2020

APONTAMENTOS SOBRE LOBÃO

Situada na metade setentrional do Município de Santa Maria da Feira, distrito de Aveiro, a uma distância de cerca de 12 km da sede do concelho, 24 km do Porto e 285 km de Lisboa, a freguesia de Lobão está rodeada a norte pelas freguesias de Sanguedo e Vila Maior, a sul por Guisande e Caldas de S. Jorge, a nascente confina com Gião e a sul com Fiães. Com cerca de 7,9 km2 de área, tem uma população de 5.483 habitantes para uma densidade de 693,2 hab/km2 (2011).
Em 1991 a freguesia foi elevada ao estatuto de Vila pela portaria 78/91, de 16 de agosto, em
consequência da aprovação em reunião plenária da Assembleia da República de 20 de junho.
O brasão da freguesia tem a forma dum escudo encimado por quatro torres, ao centro o padroeiro protetor S. Tiago, e abaixo, em listel com fundo branco a legenda “Vila de Lobão”.
Pela lei nº 22/2012, de 30 de maio, que consagra a Reforma da Administração Local e por proposta da Câmara Municipal à Assembleia da República, através da lei 11-A/2013, de 28 de janeiro, foi criada a União de Freguesias de Lobão, Gião, Louredo e Guisande, com sede em Lobão, abrangendo no seu conjunto 23,93 km2 de área e 9.860 habitantes (2011), com uma densidade de cerca de 412 hab/km2.
Pinho Leal refere no seu “Portugal Antigo e Moderno, Volume Quarto”, pág. 431:
«Lobão – freguesia, Douro, comarca e concelho da Feira, 285 kilometros ao N. de Lisboa, 24 ao S. do Porto, 7 a NE. da Feira.
Bispado do Porto, disctrito administrativo de Aveiro.
Orago S. Tiago, apostolo.
Em 1757 tinha 325 fogos.
O parocho era cura, que apresentava o reitor de S. Pedro de Canedo, e tinha de rendimento 180$000 reis.
Tem uma bella egreja matriz com elegante e alta torre.
Ha n’esta freguesia a capella de Santo Ovidio, muito concorrida em tres romarias que alli se fazem annualmente.
É terra bonita e fertil.
É difícil conhecer a origem e habitabilidade deste território, dado que são muito raras, ou mesmo inexistentes, as marcas arqueológicas, pelo que é especialmente com recurso à toponímia e etnografia que se pode vislumbrar a presença humana nesta região.
Não são conhecidos dados objetivos que possam fundamentar quando surgiu o topónimo Lobão, mas tem sido mais ou menos consensual que ele deriva do latim, mais precisamente de povoadores pertencentes a uma família Lobo (lupus). Em 906 surge como Lupon, em 967 como Lubon e, do derivado lupu com o sufixo aumentativo one, aparece um documento de 1055 em que se menciona a povoação como Lopone.
Também aparece o topónimo Lobão associado à teoria de que os povos repovoadores da reconquista, deram aos locais que escolheram para suas habitações, topónimos inspirados naquilo que de mais importante observavam à sua volta, como: a fauna, a vegetação, a hidrografia, a agricultura, a configuração do solo, as construções civis, militares e religiosas, etc. Deste modo, de acordo com esta teoria, Lobão refere-se a um aumentativo de lobo, o animal que infestava estas terras desde tempos imemoriais.
Uma outra abordagem sobre este topónimo pretende relacionar a sua origem com a identidade étnica maior dos Túrdulos Velhos (Turdeli Veteres), povo antigo dos Celtiberos, uma extensão dos Túrdulos que viviam no sul de Portugal (Algarve) e que acabaram por se estabelecer na região costeira ao longo das bacias do Vouga e Douro. O seu centro religioso terá sido Langobriga (ou Lancobriga), no Monte (Redondo) de Santa Maria, Fiães (Castro de Fiães). Para estes povos, o lobo era considerado como seu antecessor comum e seu «deus» maior, e, desde o tempo da recoleção, o seu comportamento e forma de viver foi influenciador da vida humana. Eram-lhe reconhecidas grandes qualidades: resistência, perseverança, força, astúcia, capacidade de comando, lealdade, etc. Daí a sua adoção como ser originário e divinizado.
A presença destes povos entre Douro e Vouga por volta dos anos 500 a.C., permite-nos atestar a habitualidade desta região.
Estes povos organizavam-se em grandes espaços, onde se salientavam grandes povoados com o papel de lugares centrais em relação a um grande conjunto de pequenos castros fortificados, espalhados por locais estratégicos e que defendiam as principais vias de acesso à região. Por esse tempo, a área de Lobão e vizinhanças, faziam parte de casais isolados (pagi=aldeias), que viviam sob a égide dos castros de Fiães e Romariz.
Com a chegada dos romanos, a população local, embora continue a centrar-se na urbe, foi-se distribuindo de forma diferente; posições fortificadas (urbs, oppidum), cidades, castelos (castrum), aglomerados de casas, explorações agrícolas, etc. Lobão continuou enquadrado no castro de Romariz, cabeça da cividade com o mesmo nome.
No período das invasões visigóticas, séculos V e VI, e depois dos árabes no século VIII, mantiveram os limites territoriais das propriedades e muito especialmente devido à arrecadação de impostos.
A seguir à invasão árabe, dá-se a reconquista, e é a partir daqui que começa a dar-se o fracionamento dessa propriedade, inicialmente distribuída entre os reconquistadores (rei, nobres e camponeses livres-colonos).
É neste contexto que surge a primeira referência documental conhecida com alusão a Lobão, datado de 1055, num documento de permuta, no qual Diogo Donaniz troca com Donna Emento Gondezendes, as suas herdades sitas nas vilas de Serzedo, Serzedelo e Espinho ou, caso não seja possível, as de Nogueira, Guisande, Lagoa e a sua quarta parte de Lobão, mais XX soldos de prata, menos um alize (?), recebendo a quarta parte da vila de Iniesta [Gesta, Mozelos (?)]. (doc. 396, ano 1055, Portvgaliae Monvmenta Historica – Diplomata et Chartae, Vol. I, Fasc. II, pág. 242):
«CCCLXXXXVI
Pactum permutationis bonorum immobilium in villis de Cercedo, Cercedelo et Espinho, alii bonis pro illis in villa Jenesta datis. Charta autographa, ex qua sumpsimus, ad Monasterium Morariense pertinens, in Publico Archivo custoditur.
1055
Christus. In domini domini (sic) nostri ihesu Christi ego famulus dei diagu donaniz plagui mici per bone pacis et uoluntas ut contramutamus ad ubis ad a dona ermento gumdesindiz … nostras ereditates unas cum allias de uila de sercedo et de cercedelo nostra ratione quantaque ibi aduimus et de uila de espinu nostra ratione quamtacuntaque ibi abuimus. et sit illa non potueritis deuendigare intrequemus uobis in noquera et in grisandi et mea ratione de lagona et mea quarta de lapone damus uobis ilas uilas de durio in uauga que in carta resonat et xx solidos de ariento menos unu de alize adueatis uos ilas uilas que ad uobis contramutamos con quamto ibi ad prestitum ominis est. aduetis uos et omnis posteratis uestra. et sit aliquis omo uenereti uel uenerimus et nos non uoluerimus autorigare como pariemus illas ereditates dublatas quanto ad uobis. et adcepimus de uos quarta de uila de iniesta. nobis bene conplagui perpetim aduiturum. facta cartula notum die erit Era millesima LXXXXIIIa x post ckalendas decenber. diagu donaniz in cartula manu mea ro+.
qui preses fuerunt tutesindu test. pelagiu test. menendo test. uermudu test. froia test. mendo pelagi notui.»
Num outro documento, este de 1079, aparece já definida a posição geográfica de Lobão, a norte do castro da Portela de Romariz, território Portucalense, águas vertentes de rio Uíma que lhe fica a poente. Trata-se de uma carta do mosteiro de Pedroso, onde consta que, Vimara vende a Gonçalo Viegas a herdade que possui em Lobão, pelo preço de XV moios. (Portvgaliae Monvmenta Historica. Diplomata et Chartae, Vol. I, Fasc. III, pág. 342):
«DLXV
Pactum venditionis praedii in vila de Lobão. Charta autographa, ad Monasterium Petrosense pertinens, e tabulario Coninbricensis Universitatis in Publicum Archivum delata, ibi servatur.
1079
Christus. In dei nomine ego uimara plagiu mici per bone pacis et uoluntas ut uindo ad uobis guisalo uenegas eredatate mea que abeo in uila de lobom de parte de mater mea mediadate ad integro uibi illa potuerittis inuenire cun omnia sua bona quantu in se obtinet et ad ominis adprestidum est subtus kastro portella teredorio portugalens discurente ribu umia. et acebimus de uos in precio xv modios tantuum nobis bene conplagui et siat de nostro iuri abrasa et in uestro iuri tradita. Auetis uos illa firmiter et omnis posteritas uestras et si anc ueneri uel eunerimus contra anc factum nostrum kartula ad inrunpendum et in iudicio non autorgauerimus que pariemus illa eredidate dublada uel quantum fuerit meliorata. die eri pride kalendas abriles. Era MaCXVII. uimara ioaniz in anc kartula uendicionis manum mea ro+mus.
qui preses fuerunt – pelagio zendamiriz conf. – gudesteo test. menendo test. fromarigu test.
suario presbiter notuit.»
No período anterior à invasão árabe, até ao século VIII, os leigos não tinham poder nos templos. Na reconquista, para lá do fracionamento das terras, o tomador, ou conquistador de terras aos mouros, também contribuiu para o aumento da desorganização eclesiástica e civil que vinha já das invasões muçulmanas. Os novos pressores (conquistadores) iam construindo igrejas próprias nas suas propriedades, iniciativa que aumentou devido a certa acalmia que se verificou a partir de 1064, com a reconquista de Coimbra por Fernando Magno. Deste modo, a diocese perdeu o poder de apresentar, eleger padre, nas igrejas particulares. Já em finais do século XI deu-se a inversão desta tendência. Os bispos procuraram recuperar os direitos episcopais, por forma a fazer prevalecer o seu poder sobre todas as igrejas.
Se na reconquista as terras pertenciam ao rei por direito próprio, que as doava aos senhores da nobreza e ao clero, em recompensa pelo auxílio prestado, a nobreza, quer por via das transmissões sucessórias por casamento, quer por compra, foi aumentando o seu património. Porém, o clero, nomeadamente as ordens religiosas, foi quem mais bens obteve, não só proveniente das doações régias, mas também de compras ou permutas, assim como doações dos nobres e fiéis em geral, para beneficiarem, os doadores, da proteção de um senhorio eclesiástico contra as prepotências do fisco ou da nobreza, assim como participar das boas obras dos monges. Estas doações eram, em alguns casos, uma necessidade económica devido à falta de mão-de-obra, emigração, partilhas, etc., e doadas para, em troca, receberem com a respetiva família rendas, benefícios, etc., para além dos fins espirituais.
As inquirições ordenadas por D. Afonso II, continuadas por D. Afonso III e D. Dinis, fizeram parte duma estratégia de fortalecimento do poder do rei e centralização administrativa, com o fim de prevenir os abusos do clero e da nobreza em relação às terras, direitos e padroados.
É, pois, neste contexto, que no início do século XII (1101), Patrina Eriz e filhos fizeram doação à Sé de Coimbra, na pessoa do bispo D. Maurício, da quarta parte dos seus direitos na igreja de S. Tiago de Lobão, além de outros bens, ficando com o usufruto como colonos da dita sé. Esta doação insere-se na estratégia de parte da nobreza da Feira, de poder desempenhar cargos político-administrativos e ter acesso às terras de Coimbra (Mattoso, José; Krus, Luis; Andrade, Amélia. O Castelo e a feira. A Terra de Santa Maria nos séculos XI a XII, pág. 134). Pode, pois, inferir-se que nesta data já existia uma igreja em Lobão.
No ano de 1202, o direito de padroado de Lobão, que estava nas mãos de Diogo Martins e mulher Urraca Nicolau, foi cedido ao mosteiro de Grijó por 100 maravedis de ouro. O padroado veio a ficar à Mitra do Porto, por uma transação no ano de 1229, entre o bispo do Porto, D. Sancho e o mosteiro de Grijó. A parte daquele primeiro documento deveria ter passado com a anexação do território Conimbricense acima de Antuã. Apesar da doação, em 1284, os filhos de Pedro M. Brandão e Donna Sancha reivindicam, junto ao meirinho da Feira, o direito ao padroado da igreja de Lobão. Este opôs-se, e, em 1296, uma sentença arbitral, que já englobava outros contendores pela mesma causa, declarava que os cavaleiros não poderiam aposentar-se, nem comer, nem apresentar na referida igreja, devido à inexistência de quaisquer direitos. A partir de 1299, em virtude de transação entre o bispo do Porto D. Sancho e o seu Cabido com o prior do mosteiro de Grijó, o padroado da igreja de Lobão passou a pertencer ao bispo do Porto. Seguem-se várias disputas sobre o direito de apresentação entre o cabido e o bispo (1447 e 1471), mas a igreja de Lobão é anexada ao mosteiro de Canedo, em 1474, por este estar em crise. No início do século XVI novo litígio, num processo longo. Em 1631 o cabido fez a apresentação de Lobão e Canedo, a que se opôs a Mitra, mas foi confirmado o padroado ao Cabido, por sentença de 1634, e continuava esse direito em 1772.
Convém referir que os proprietários que construíam igrejas nas suas terras, detinham sobre elas o direito de propriedade, e, desde que se invocava o orago, o direito do senhor passava a direito de padroado hereditário, que consistia na escolha e apresentação de um padre, para confirmação do bispo. Com o tempo começaram os abusos, apoderando-se dos bens e rendas da igreja. Basicamente de regalias de comedoria, aposentadoria, cavalaria e casamento.
Nas inquirições de D. Afonso II (1220), surge pela primeira vez, oficialmente, a denominação de freguesia de Lobão (Arquivo Nacional, gaveta I, maço 7, nº 20):
«DE HEREDITATIBUS ORDINUM IN TERRA DE SANCTA MARIA
(…)
24) In villa de Palaçoos habet Petrossus J casale.
(…)
24) In frigia de Labom [habet] Eglesiola IX casalia, et totam ipsam eclesiam, Canedo VJ casalia, Petrossus J casale, Vila coua IIIJ casalia.
(…)»
Ou seja, 24) na vila de Palaçoos (lugar do Paço, algures por Cainha e Quintã), tem o mosteiro de Pedroso 1 casal, 40) na freguesia de Lobão tem o mosteiro de Grijó 9 casais e toda a sua igreja; o de Canedo 6; o de Pedroso 1 e o de Vila Cova (Sandim) 4 casais.
O padroado ia-se alargando de geração em geração, chegando os rendimentos a atingir, em especial nos mosteiros, números exorbitantes. Isto deu azo a sistemáticas queixas, que levaram D. Afonso III, pela lei de 1261, a intervir, reprimindo os abusos dos padroeiros particulares.
Lobão, ou Lobon, segundo se depreende da leitura das memórias da Ordem dos Templários, teve relações estreitas com a Comenda de Malta e foi chamada Comenda de Lobão em tempos muito recuados.
Neste contexto, Lobão foi pertença dos Templários em 1304, passando em 1319 para a coroa e desta para a Ordem de Cristo, no reinado de D. Dinis.
A freguesia beneficiou do foral concedido por D. Manuel I, em 10 de fevereiro de 1514, à Feira e Terras de Santa Maria. Em 1615 era avaliada em 470$000 reis. Foi cabeça da comenda nova. Em 1623 tinha como anexas as freguesias de Canedo e S. Vicente, e serão dessa altura os marcos divisórios colocados nas duas freguesias anexas.
Na Corografia Portuguesa – Tomo Segundo, pág. 166, do padre António de Carvalho, há uma referência que dá Lobão como sendo curato e comenda da Ordem de Cristo, que no século XVIII acusava a existência de 240 fogos. «Santiago de Lobaõ, Curado, & Comenda da Ordem de Christo, tem 240. visinhos.»
Depois do século XVIII aparece como curato da apresentação do reitor de Canedo, passando posteriormente a reitoria.
O historiador José Mattoso refere a existência de um denominado Castro de Lobão, situado, presume-se, para os lados da chamada serra de Gaeta. Faria parte de um conjunto de castros existentes na área; o de Fiães e o de Sanguedo, e serviriam como defesas da estrada vinda do sul para o norte, que percorreria o vale do rio Uíma. Há referência num sítio genealógico dedicado, entre outros, à família Príncipe da Silva, de Sandim, à existência de um convento de Lobão.
A vila de Palaçoos, que nas inquirições de 1220 vem referenciada como uma freguesia independente, na opinião de José Mattoso, não terá acompanhado o crescimento das comunidades em redor, acabando por ser absorvida por Lobão. De referir ainda que, dos vários núcleos que integravam a paróquia de S. Tiago de Lobão, constava a existência da aldeia de Lobão, como a parte mais antiga da antiga “villa” principal de Lobão, deixando esta denominação mais tarde, quando se passou a chamar Cimo de Vila.
Lobão estava referenciado por grandes espaços; Lobão de Susão (de cima) e Lobão de Jusão (de baixo), constituídos especialmente por vilas, casais, paços, quintãs, etc., os quais, ao longo dos séculos XIV a XVI se vão constituindo em pequenos lugares, que mais tarde vão ser anexados por outros de maior dimensão.
Porém, a partir do século XVIII, o crescimento demográfico ditou o inverso; surgiram novos lugares em função da sua desanexação de outros já considerados demasiado grandes. A estrada da Chá, que desde o século XI serviu de passagem aos peregrinos em direção a Santiago de Compostela, terá pressionado o povoamento, o qual se foi estendendo em direção aos lugares da Igreja e Corga, alargando-se a outras áreas; processo que foi marcando a paisagem humana, anexando ou individualizando os pequenos núcleos rurais.
Entre os séculos XI e XIII, eram proprietários de terras em Lobão: as ordens religiosas, a nobreza e o rei. O mosteiro de Grijó contribuiu muito para o desenvolvimento da freguesia, uma vez que os monges beneditinos foram, na época grandes inovadores das técnicas agrícolas e impulsionadores da economia em geral.
Relatos de 1940 dão conta que o recenseamento geral acusa a existência de 632 fogos, albergando 3.047 almas, com vocações e possibilidades diferentes. Neste ano foi reparado o edifício escolar dos Condes de S. Tiago de Lobão, a Junta mandou fazer a canalização da água para o chafariz do Lugar da Igreja, construção dos lavadouros e reparação da estrada Corga – Ponte da Chã.
Outros melhoramentos deveram-se a iniciativas de particulares: reconstrução da residência paroquial pelos habitantes da freguesia, auxiliados pela Condessa de S. Tiago de Lobão, ajardinamento do adro a expensas do padre Rufino Pinto de Almeida, reparação dos sinos a expensas de José Augusto de Oliveira. No sector de beneficência merecem especial destaque os nomes dos Condes de S. Tiago de Lobão e o Comendador Francisco Henriques da Costa.
G
A Ordem de Malta ou Cavaleiros Hospitalários, nasceu em 1113 (bula Piae Postulatio Voluntatis, Pascoal II), pela necessidade de assistência e acolhimento a peregrinos e viajantes, no contexto das cruzadas do Oriente. Oficialmente designada Ordem Soberana e Militar de S. João de Jerusalém, de Rodes e de Malta, esta ordem esteve muito ligada a Lobão. Já cá estava instalada no século XIII e era apresentada pela comenda de Rio Meão, como se constata das inquirições de D. Dinis, de 1288 (Ribeiro, José Anastasio Figueiredo de; Nova História da Ordem de Malta, Parte II, § CCVII, pág. 305):
«Resta mais lembrar como se achou no Julgado da Feira, na Terra de Santa Maria, e diceram mais em a freguezia de Santiago de Lobon, que na Aldêa chamada Bertal, ou Bretal, havia huma Quintãa, a qual era herdade da mesma Ordem de Malta (na Comenda de Rio-meão, em consequencia da Doação de Fr. Fernão Peres, já referida acima para o fim do § 145.) e de Martim Peres, que era homem lavrador; mas com tudo a traziam por onrra com toda essa aldeya, sem entrar nella o Mordomo, e só o Porteiro, ainda que pagavam a voz, coyma, e omezio: e isto em razão da honra, que tinha, quando era de filhos dalgo. Devassou-se pois tudo, salvo o do Hospital, mostrando os Privilegios, por que se defendiam: pelo que chegando João Cesar ao dito Julgado, em a freguesia de Lonbo (pela facil mudança, ou troca do til sobre hum dos õo) no logar chamado Bertal, ou Bercal, diz achou en esse Róól, que per iuizo tinham devassado a parte de Martim Peres; e por isso mandou da parte d’ElRei fosse devassada, e entrasse ahi o Mordomo &c., salvo se fosse de homem filho dalgo.»
Os Templários ou Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo de Salomão, também conhecida como Cavaleiros Templários, Ordem do Templo, era uma ordem religioso-militar, fundada em resultado da Primeira Cruzada de 1096, estabelecendo-se originalmente no monte do Templo, onde existira o Templo de Salomão (atual mesquita Al-Aqsa), Jerusalém, e que veio para a Europa. Na Península participou ativamente na reconquista em apoio aos reis, sendo recompensada com doações e outros benefícios. Era comum o rei ceder aos Templários os rendimentos de igrejas ou mosteiros, transformando-os em comendas. Neste contexto, Lobão foi pertença dos Templários em 1304, passando em 1319 para a coroa e desta para a Ordem de Cristo, no reinado de D. Dinis.
Foi esta ordem muito invejada por parte dalgumas coroas europeias, devido à sua grande riqueza acumulada, sendo alvo de acusações falsas, que levaram à sua extinção no concílio de Viena de 1311. Os bens da ordem, em Portugal, corriam o risco de se perderem para o papa, e, D. Dinis, preocupado com estes bens, fruto das doações régias, reivindicou o direito de retorno. Criou para isso a Ordem de Cristo, reivindicando para esta os bens dos Templários em Portugal, o que o papa João XXII acabou por consentir pela bula «Ad ea exibus», de 14 de março de 1319, atribuindo à Ordem de Cristo a regra de S. Bento.
Ainda hoje são visíveis alguns marcos, com o símbolo da ordem dos Templários/Cristo em baixo relevo, que delimitam o território de Lobão com as freguesias limítrofes.
Economia
Como na generalidade dos povos, a agricultura foi a principal atividade económica da freguesia ao longo dos tempos. Pinho Leal, no seu Portugal Antigo e Moderno, refere-se a Lobão como «terra bonita e fertil», o que pressupõe propícia à atividade agrícola. Os romanos trouxeram novos processos e produtos, os árabes, pela introdução de novas técnicas de irrigação (noras e azenhas), deram-lhe maior incremento. Entre os séculos XI e XIII, face à melhoria das condições técnicas e ao aumento das áreas de cultivo (arroteamentos), deu-se novo aumento da produção agrícola. Produzia-se milho, trigo, centeio, linho, vinho, frutas, etc. Em complemento à produção de cereais, havia a criação de animais domésticos; de capoeira, suínos, ovinos, caprinos, bovinos, etc., e seus derivados; leite, queijo, manteiga, carne, peles e lã. Para além de suporte à alimentação, o gado bovino também era fundamental para os trabalhos agrícolas e para o transporte dos produtos. Com especial incidência a partir da última fase do século XVII até ao século XIX, Lobão manteve-se com bons índices de produção agrícola e de crescimento. Porém, na parte final já se notava algum decréscimo. As duas grandes guerras vieram alterar mentalidades e o panorama económico, com o ascendente da industrialização. Depois, as emigrações para a América e para a Europa, a guerra colonial, o gradual surgimento de novas atividades ligadas à indústria, comércio e serviços, levaram ao lento abandono das atividades agrícolas, e o panorama atual na freguesia é de abandono quase generalizado da agricultura.
Direta ou paralelamente ligadas à agricultura havia outras atividades que lhe eram complementares ou serviam de suporte; é o caso da moagem dos cereais, da transformação do linho, dos canastreiros, carpinteiros, pedreiros, ferreiros, etc.
O crescimento populacional fez aumentar o desemprego e a procura de alternativas, levando a que alguns encontrassem trabalho noutras atividades, como na reparação de estradas, nas pedreiras, etc. Uma profissão invulgar era a de pinhoeiro, que chegou a atravessar várias gerações. Era um trabalho duro e penoso, que consistia na apanha das pinhas de pinheiro bravo, ainda verdes e entre setembro e abril do ano seguinte. Deslocavam-se entre 3 a 4 pessoas em direção à serra, num raio de 20 km, a pé e com burricos de carga. As pinhas recolhidas eram, entre maio e agosto, colocadas a secar nas eiras, para se lhes retirar o pinhão, que depois era vendido. Outro método de granjear dinheiro era na indústria do breu. Consistia em retirar, das pequenas partes de cor avermelhada das toqueiras dos pinheiros anteriormente abatidos, o produto resinoso resultante da combustão, o qual servia para calafetagem dos navios e para acender o lume. As pessoas que se dedicavam a esta profissão eram conhecidas por breeiros. Epíteto por que, com o de pinhoeiro, eram conhecidos os habitantes de Lobão.
A atividade volfrâmica, no contexto da 2ª guerra mundial, teve algum impacto em Lobão. Ocupava lavradores, jornaleiros, desempregados, etc. Os lavradores mais abastados chegaram a utilizar máquinas a gasóleo/petróleo na exploração de poços. Foi uma experiência transitória e com pouco sucesso. Estes novos exploradores, «novos-ricos», foram responsabilizados pela alteração da ordem hierárquica tradicional e de serem grandes consumistas. Com o fim da guerra, a maioria acabou na miséria.
À semelhança do que acontece um pouco por todo o lado, atualmente estão instalados em Lobão alguns estabelecimentos industriais e comerciais, abrangendo várias áreas de negócio, exemplo: padaria, têxtil, metalomecânica, aquariofilia, malhas e confeções, etc.
Acessibilidades
Ao nível de acessibilidades, o território de Lobão é cruzado por duas vias importantes; as Estradas Nacionais nº 223 e 326. Estas vias permitem a ligação ao litoral, como ao interior, sendo Lobão um ponto de cruzamento entre estas vias e também um ponto de passagem para quem se dirige para Santa Maria da Feira e para os concelhos de Castelo de Paiva, Arouca e Gondomar. Posicionada entre a A1 e a A23, muito próxima do nó de acesso a esta, a situação geográfica da freguesia revela-se duma importância estratégica, quer a nível concelhio, quer a nível regional. Por Lobão circulam milhares de veículos que servem de suporte ao comércio, indústria, agricultura e serviços das freguesias do nordeste feirense e dos concelhos atrás citados.
Saúde, Educação, Cultura, Desporto e Ação Social
Ao nível da saúde, a povoação é servida por uma Unidade de Saúde, um Policlínica e uma Farmácia.
Ao nível da educação possui vários estabelecimentos de ensino, os quais permitem a formação desde jardim-de-infância até ao 3º ciclo de aprendizagem.
No domínio cultural há a registar as coletividades de recreio e cultura, como a Banda de Música de S. Tiago de Lobão (1916), Rancho Folclórico de S. Tiago de Lobão (1960) e Rancho Regional de S. Tiago de Lobão (1993).
No domínio desportivo existem: a Sociedade Columbófila de S. Tiago de Lobão (5/12/1967), a Associação Desportiva e Cultural de Lobão (21/3/1978 – futebol sénior, júnior, juvenil e iniciados) e Centro Incentivo Cultural (8/9/1981 – atletismo, badminton, futsal distrital e amador, ginástica de manutenção).
Socialmente são oferecidos serviços por duas instituições. A primeira é o Centro Social de S. Tiago de Lobão (3/8/1988), com serviços de Jardim de Infância, Creche, ATL, Centro de Dia e Apoio Domiciliário. A segunda é a Obra do Frei Gil (26/10/1957), que acolhe crianças sem família ou abandonadas e que funciona no Solar do Ribeiro, oferta do comendador Francisco Henriques da Costa.
Igreja Paroquial
A primitiva igreja paroquial de Lobão terá sido construção anterior a 1101, data em que Patrina Eris e família fizeram doação da quarta parte dos seus direitos à Sé de Coimbra. Possivelmente seria uma pequena capela, como era comum na época. Não se conhece o local onde foi edificada, mas presume-se que se situaria na área da atual, junto à estrada da Chã à Corga, o caminho dos peregrinos de S. Tiago. Patrina Eriz era casada com Paio Vitisciliz. Segundo Mattoso, a família Vitisciliz era oriunda do norte do Douro e terá participado na reconquista, acabando por se instalar na Terra de Santa Maria. Poderá ter sido a família de Patrina quem construiu a igreja, mas também não pode ser posta de parte a possibilidade de ter sido a família paterna de Patrina Eris, família Marnel, possivelmente seu tio Paio Gonçalves, que não teve filhos e doou os seus bens aos sobrinhos.
Quando da doação, já o orago S. Tiago tinha sido invocado. Terá sido esta igreja que marcou a criação da paróquia de Lobão que, acrescentado o orago ao topónimo da localidade, designava a paróquia, num processo comum no reino.
A escolha de S. Tiago como orago da freguesia parece ter assentado em dois fatores: estava-se num tempo de intensa luta contra os muçulmanos e Lobão era atravessado por uma via que, durante séculos, foi passagem de devotos de S. Tiago.
Sendo na agressividade da luta que se invocava muito S. Tiago, «o mata mouros», parece certo que sendo os libertadores destas terras os construtores da igreja, tenham elegido o apóstolo como patrono, recorrendo aos favores do santo protetor. Por outro lado, passando na localidade os peregrinos em direção de Compostela, era natural que fizessem as suas preces a S. Tiago na igreja que lhes ficava no caminho, e que a população tivesse adotado o santo como padroeiro.
As peregrinações tinham para o homem medieval, como principal finalidade, satisfazer as suas devoções de cristão, cumprindo promessas e remindo pecados, permitindo-lhe também alargar os horizontes limitados em que vivia, observando novas terras, entrando em contato com outras gentes e procurando a aventura na viagem.
Eram vários os caminhos destas peregrinações, os quais dependiam: do ponto de partida, dos santuários e dos lugares que os peregrinos escolhiam, ou que eram obrigados a passar. Um dos eixos viários mais importantes entre Coimbra e Porto, era a estrada romana, cujo traçado era praticamente o da EN-1. Porém, a parte final do percurso era difícil e bastante morosa. Assim, a partir de Souto Redondo (S. João de Ver), seguiam pela estrada que, desde a época romana, ligava a Feira ao Porto Novo (Canedo), passando por S. Jorge até Lobão, entrando pela Chã em direção à Corga, seguindo por Canedo, Carvoeiro e Lever. Só com o aumento da importância da cidade do Porto, a partir do século XIII, se passou a utilizar todo a trajeto até esta cidade.
No percurso das peregrinações havia várias casas que acolhiam os peregrinos, concedendo-lhes um leito para descansar e também uma refeição, ou os produtos para a sua confeção. Se tais locais já existiam, podiam obrigar ao desvio no trajeto, ou, se não, tais casas nasciam por iniciativa dos senhores locais. O topónimo «Albergada» pode ser referência a um lugar de Cimo de Vila, na estrada da Chã à Corga, que devia estar ligado à existência, nesta zona, de um local de repouso para os peregrinos, pelo menos entre os séculos XI e XIII.
Naturalmente que da primeira igreja, quer mesmo da segunda, já nada existe. O aumento populacional no país também se terá sentido em Lobão, havendo por isso necessidade de se construir uma nova. Nas inquirições de D. Afonso III (1251) refere-se que na freguesia de Lobão o rei tinha 3 casais em Paçô, governados pela igreja: «Item de freguesia de Lobom sunt tria casalia domini Regis que gubernant ipsam ecclesiam de Lobom in Paaciolo», e nas de D. Dinis (1288) é referido que D. Afonso III, seu pai, tinha doado esses 3 casais de Paçô para uma capela. Na época, capela podia ser qualquer igreja, mesmo paroquial, e, tendo D. Afonso III sido entronizado rei em 1248, a data da construção da nova igreja terá sido a partir dessa data. A documentação aponta para a sua edificação na envolvente da igreja atual, nos passais próximos com a “estrada que vai para Feira”. Seria constituída por capela e corpo da igreja.
Não se conhece a data exata da edificação da igreja atual. No seu interior, numa coluna do lado esquerdo do altar de Nª Sª de Fátima, está inscrita a data de 1646, que pode ser o marco da sua construção. Durante a segunda metade do século ainda a igreja estava em acabamentos e, pela sua envergadura, sabe-se que poderia levar dezenas de anos a sua construção. O local da sua edificação parece indicar algum afastamento em relação à anterior, e a mudança para a igreja nova ter-se-á dado antes de outubro de 1712, continuando a funcionar a velha para enterramentos. O primeiro registo de enterramento na nova igreja é de 23 de novembro de 1713.
Esta igreja atingiu grande fulgor ao longo do século XVIII. Era uma das mais belas da região. É notória a riqueza da talha dourada pertencente à transição do século XVII/XVIII. Com cinco altares; o altar maior onde está o Santíssimo Sacramento, com as imagens de S. Tiago, S. António e o Senhor Ressuscitado; o altar da Sª do Rosário com a sua imagem, S. José e o Senhor Morto; o altar de S.ta Ana; o altar de S. Sebastião com a imagem do santo, S. Francisco das Chagas e S. Francisco Xavier; o altar do Santo Cristo com a imagem de Cristo Crucificado, Nª Sª das Dores, S. João Evangelista e o Menino Deus. Existe ainda o altar de Nª Sª de Fátima, cujo douramento da sua talha foi feito cerca de 1959. Entretanto houve alteração de denominação de alguns altares, mudança de imagens entre eles e mesmo algumas foram retiradas.
A torre foi edificada em finais do século XVIII, princípios do século XIX, altura em que teve o primeiro relógio. No início do século XX cresceu em altura e de forma assinalável.
Gerida pelo comendador que se servia do seu grande rendimento, em meados do século XIX a situação da igreja era deplorável face à extinção da comenda, em 1825, e a alienação de grande parte dos seus bens, tendo passado a gestão para a responsabilidade da junta paroquial e do regedor. Apenas em 1859 se operou a uma enorme requalificação.
Os Condes de S. Tiago de Lobão também promoveram melhoramentos assinaláveis: refundição dos sinos (1894); reforma e estuque (1899); douramento geral da igreja e dotando-a de objetos de culto, compra de terreno, ampliação e reforma do cemitério, melhoramento das sacristias e construção do segundo andar (1907); compra de terreno, construção e mobiliário das escolas dos dois sexos (1911); compra da residência e passal (1917). Gasto superior a 16.000$00 (placa de homenagem da junta de freguesia, no exterior da sacristia norte).
Na década de 1980 a reforma consistiu na ampliação do lado norte, R/C e 1º andar, com 8 amplas salas para servir a catequese e encontros de grupos de pastoral.
Personalidades
O Conde de S. Tiago de Lobão, Lino Henriques Bento de Sousa, era natural de Lobão. Nasceu a 19 de novembro de 1857 e faleceu a 13 de abril de 1921. Filho de uma família numerosa e proprietários médios, emigrou para o Brasil com apenas 13 anos. Como comerciante desenvolveu os seus negócios no Pernambuco, expandindo-se até S. Paulo, Rio de Janeiro e Santos, fazendo fortuna. Casou com Maria Albertina Saraiva de Sousa.
Recebeu o título de Visconde de S. Tiago de Lobão em 10 de março de 1906 e a 7 de março de 1908 foi publicado o decreto que o agraciou com o título de Conde (Nobreza de Portugal, volume III, págs. 306/307). Foi o último condado concedido por D. Carlos e o primeiro diploma assinado por D. Manuel II, em 22 de fevereiro.
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Merece também destaque neste pequeno apontamento o Comendador Francisco Henriques da Costa. Nasceu a 5 de janeiro de 1903 e faleceu em 30 de janeiro de 1975. Oriundo duma família abastada, nem por isso deixou de emigrar para o Brasil, empregando-se no hotel Avenida, no Recife. Aí amealhou economias suficientes para se tornar empresário e dono do próprio hotel. Lá casou e se divorciou sem deixar filhos. A parte final da sua vida foi um vaivém constante entre o Brasil e Portugal. Orientou as suas preocupações, em relação à sua terra natal, no melhoramento de infraestruturas e na ação social. Destaque para a eletrificação do lugar que o viu nascer (Ribeiro, 1950/51), construção do salão paroquial (1953), doação do terreno para uma nova escola com 6 salas de aula (1960), etc. Na ação social, desde 1937 fez distribuir a importância de 1.000$00 (soma considerável para a época) pelos pobres da freguesia, como consoada. Em 1946 ofereceu 4.000$00 para a cantina escolar para apoio às crianças das escolas, e, em 1957, doou o seu solar e quinta, no lugar do Ribeiro, à obra do frei Gil, para alimentar, instruir e ajudar as crianças abandonadas. Foi agraciado com honra de Comendador em 1960. Conheci o Comendador, pessoa com quem tive o privilégio de me relacionar em alguns momentos, no âmbito da pastoral do padre Adriano.
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Uma outra personalidade da freguesia, foi figura quase lendária, mas por motivos bem diferentes. Trata-se de José Bernardino Tavares. Nasceu numa época em que era normal as crianças nascidas fora do casamento, por razões de ordem social ou pobreza, serem colocadas na roda das vilas, cidades, conventos, ou à porta de casas particulares abastadas. E assim aconteceu na manhã de 3 de fevereiro de 1822. À porta de Rosa Bernardina Tavares, no lugar da Igreja, estava uma criança do sexo masculino, envolta em trapos, dentro duma cesta e ao frio. Esta senhora acolhe-a e a adota como filho.
Rosa Bernardina era solteira, filha de importantes proprietários e irmã de Ana Bernardina, casada com José Oliveira Figueiredo, proprietário, médico e homem de grande intervenção cívica na freguesia. Um casal sem filhos. No entanto, a conduta deste médico e da família não eram as mais apropriadas. É no seio desta família de adoção que se vai moldar a personalidade desta criança, adquirindo traços comportamentais que irão influenciar as suas relações em sociedade.
Ainda com cerca de 17 anos (1839), é condenado juntamente com o seu tio e mais duas pessoas, por andar à pancada com uns vizinhos. Para não serem presos, tiveram que pagar fiança.
Tirando este facto, a sua vida não teve grandes sobressaltos até à morte da tia Ana (8/4/1850) e sua mãe adotiva Rosa Bernardina (20/10/1856), das quais foi herdeiro, com obrigação testamentária da tia de fazer os bens da alma, e, em conjunto com o padre da freguesia, distribuir 2.000 reis pelos pobres. Exigência que, associada a outros fatores, viria a criar futuros atritos entre ambos.
De facto, quando morre a mãe, acentuam-se os desentendimentos. O pároco, no assento de óbito, escreve: «Rosa Bernardina Tavares morre 80 anos, tem feito escritura a José Bernardino Tavares, cujo este não a quis apresentar talvez por se querer evadir os sufrágios com que foi onerado, de que fiz este assento e assino
De qualquer forma, em 1854, José Bernardino apresentava bens que faziam dele um dos maiores proprietários de Lobão.
Paralelamente à vida de agricultor, José Bernardino dedicava-se também aos negócios, e por aí começaram a aparecer queixas por incumprimento ao pagamento de dívidas contratadas.
As relações com o padre, José Caetano da Mota, da casa da Dona, foram-se agravando à medida que Bernardino se tornava um fora da lei. O problema também tinha a ver com dívidas ao padre, pois estaria em causa um empréstimo feito por Rosa Bernardina e José Bernardino, em 1850. Do púlpito, ou mesmo fora dele, o reitor censurava-o e ao seu grupo, gerando resposta imediata alguns: «tem chegado ao excesso de responder dentro da igreja de fazerem assuada, causando o maior escândalo, não respeitando o ato e a Casa do Senhor.»
O pároco também não era muito benquisto pelos seus conterrâneos/paroquianos, por se negar a determinados atos processuais.
Entretanto José Bernardino, em sua casa, na quinta que mais tarde se chamaria “Vale da Mó”, no lugar da Igreja, reunia-se assiduamente com o seu bando, que seria constituído por 8 a 10 pessoas. Na noite de 6 para 7 de janeiro de 1855 a casa do reitor é assaltada por arrombamento das portas à machadada e deitado fogo a 3 currais, que ficaram reduzidos a cinzas, resultando deles apenas paredes e restos de madeira queimados, cujos prejuízos foram avaliados em cinquenta mil reis. Feitas as averiguações, José Bernardino é detido a 21 de maio e, no dia seguinte, o tribunal da Relação do Porto acusa-o como um dos principais autores do crime. É julgado e condenado a 3 anos de prisão pelo tribunal da Feira. Interposto recurso para a Relação, saiu em liberdade sob fiança, em junho do ano seguinte. Continua os seus negócios, mas enfrenta novas dificuldades. Entre pedidos de empréstimo para remir execuções, hipotecas e penhoras, em 1859 estava novamente na cadeia da Feira, supostamente em consequência de nova ação movida pelo padre (27/2/1857).
Por razões de segurança é transferido para a cadeia da Relação (16/1/1861) e aí travou conhecimento com Camilo Castelo Branco.
Regressado da prisão, os anos 62/63 não terão sido agitados, mas em janeiro de 1864 é ferido em resultado do seu envolvimento em duas rixas. Mais tarde, na madrugada de 4 de abril, é encontrado morto, tendo-se apurado posteriormente, e baseado em relatos orais, que fora morto por estrangulamento. No registo de óbito, o padre José Caetano da Mota escreveu: «José Bernardino de 42 anos, filho natural de Rosa Bernardina Tavares, solteiro, lavrador, acompanhamento 10 padres, havendo 4 falta de missa; não constam disposições apesar de constarem vários filhos naturais. Apareceu morto, pelas 5 horas da manhã numa estrada que vai para Carvoeiro, entre o lugar da Corga e o lugar da Igreja desta freguesia de Santiago de Lobão.»
Da sua descendência, pelo que se conhece, teve duas filhas. Uma delas, a Margarida, herdou as suas propriedades, casou, e, levando uma vida de luxo com o marido, acabaram por vender todos os bens ao desbarato. O marido foi para o Brasil, onde morreu e ela acabou na miséria com os filhos, a mendigar para matar a fome.
Na memória coletiva do povo da região ficou a ideia de um homem valente que, à semelhança do José do Telhado, contemporâneo, roubava aos ricos para dar aos pobres.
O que me leva a resumir aqui a vida desta personagem, é o facto de ele se encontrar com Camilo Castelo Branco na Cadeia da Relação do Porto. Num pequeno capítulo em “As Memórias de Cárcere” Camilo descreve aquilo a que chama “uma historieta alegre”. Na base da historieta está o suposto romance entre o abade e a sua criada, e o feitiço de Bernardino, que levou ao rapto desta, culminando no assalto à residência do padre e a sua resistência heroica à prisão. Provavelmente o novelista não terá averiguado a veracidade dos factos e ter-se-á cingido ao relato de Bernardino. Depois, a imaginação e criatividade do escritor fizeram o resto. Estava Camilo bem longe de imaginar o fim trágico deste homem.
Camilo Castelo Branco terá encontrado em José Bernardino Tavares um homem bom. Talvez o tenha achado uma vítima das injustiças do Sr. Reitor, daí ter pedido a sua libertação ao rei D. Pedro V, em visita à prisão nessa altura, o qual anuiu ao seu pedido. D. Pedro morreu logo de seguida sem atender ao seu pedido, mas D. Luís, quando da sua aclamação, perdoou alguns meses e José Bernardino pôde regressar à liberdade antes de cumprir a pena.
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Como nota final quero apresentar os meus agradecimentos ao prof. Carlos Dias, autor de “Lobão – Terra do deus Maior”, de cujo livro retirei algumas notas que me permitiram compilar estes apontamentos.