Na narrativa do
Memorial do Convento estão
representadas três classes sociais: a nobreza, o clero e o povo.
Ao longo do
desenrolar da ação, o autor usa o tom irónico, por vezes sarcástico, para
caracterizar a nobreza e o clero, este que se acoita à sombra daquele, ambos
tirando benefício desta união. Enquanto a nobreza exercia o poder material,
personificado no seu rei, o clero exercia o poder espiritual, representando o
poder divino. O povo, na obra representado principalmente por Baltasar,
Blimunda e por aquela massa humana de homens que levantaram o convento, tem,
por parte do narrador, um tratamento de favor ao ser elevado ao estatuto de
herói anónimo e quase sempre esquecido. Um povo oprimido, mantido na ignorância
para ser mais manobrável e ao mesmo tempo manobrador, mantido na miséria,
submetido aos caprichos dos seus senhores e aos ditames da Inquisição, e tudo
isto por temer a Deus.
Eram estas as
preocupações das classes dominantes – manter o povo na ignorância retirando-lhe
capacidades de organização e reivindicação e, deste modo, manobrável e submisso
aos seus caprichos e fantasias. A um povo ignorante, educado no temor a Deus e
convencido de que para se alcançar a felicidade eterna são precisos sacrifícios
terrenos, poucas aspirações lhe restam do que aceitar de bom grado as graças que
Deus, o clero e os poderosos lhe concedem e ir porfiando para que não morra de
fome.
Numa sociedade
como aquela que é retratada em Memorial
do Convento, às mulheres do povo, para além dos cuidados no lar e com os
filhos, sobrava ainda a missão de ajudar no sustento da casa, quer nos
trabalhos agrícolas, quer noutras tarefas que se proporcionavam, em especial nos
centros urbanos. Já as senhoras das classes nobres, devido ao fervor religioso
da época, matavam a ociosidade com rezas, missas, novenas e peregrinações de
igreja em igreja, de convento em convento, não sei se convencidas de que era
esse o caminho que as levaria a Deus, se para se distraírem ou mesmo se
convencidas das duas coisas ou ainda, quem o saberia, se com outras intenções,
como o autor sugere. Uma coisa parece inegável: as mulheres deviam submeter-se
ao homem, satisfazer os seus desejos de luxúria e procriar. E isto era
transversal a todas as sociedades – à nobreza e ao povo –, o clero, é claro,
também aproveitava, no que à luxúria diz respeito.
Memorial do Convento, um livro para ler
e pensar.
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