O Memorial do Convento, como as obras de
José Saramago que li, é um documento que pretende guardar, para a memória dos
povos, o sofrimento e os atos heroicos do povo anónimo, a mole humana que
sempre tem sido suporte, a base, para que outras personagens se possam lançar
em grandes feitos e se reclamem depois, eles, os seus únicos autores.
Servir e ser servido
sempre será uma necessidade presente no quotidiano do ser humano. Ninguém é
autónomo e cada um de nós precisa do apoio do seu semelhante. Porém, a
exploração é um fator que está sempre presente nas relações humanas e essa terá
sido uma das razões por que a humanidade, na sua evolução, tenha criado as
classes sociais.
Assim, pelas
suas capacidades físicas e intelectuais, se evidenciam mais uns em detrimento
de outros e se extremam posições, havendo uns que se apoderam de mais recursos
e outros que cada vez os têm a menos, acabando aqueles por dominar estes e, à
medida que se avança no tempo, reduz-se o número dos que têm mais e engrossam
as fileiras dos que têm menos.
Ontem como
hoje, são as classes dominantes que ditam as leis e essas classes são, naturalmente,
as mais ricas, as que têm mais recursos. Embora na atualidade vivamos em
democracia e as leis que nos regem procurem fazer com que as relações entre os
cidadãos se pautem pela igualdade, todos nós sabemos que um cidadão pobre, sem
recursos, é vulnerável e frequentemente vítima de injustiças, tem poucas
possibilidades de se defender na justiça e que, para sobreviver, tem como único
recurso a sua força de trabalho que submete ao arbítrio de quem lhe der o pão a
ganhar.
No século XVIII
vivia-se o período absolutista. O país era governado por uma monarquia que em
virtude das enormes riquezas vindas das possessões ultramarinas, nomeadamente
do Brasil, vivia no fausto e alimentava à sua “mesa” um exército de nobres
ociosos a que não faltavam também os membros do clero. A corrupção, o luxo, a
vaidade, a hipocrisia e a luxúria imperavam, enquanto o povo vivia na
ignorância e na miséria. Para dar satisfação às suas fantasias os poderosos
serviam-se de um povo que forçava a laborar de sol a sol e a quem pagava mal,
castigava os relapsos e não hesitava, em última instância, a recrutar
trabalhadores sob prisão.
Presentemente,
na nossa “democracia”, o trabalho não é “de sol a sol”, mas os efeitos da
situação de crise em que o país vive fez com que fechassem muitas empresas,
outras reduzissem o número de trabalhadores e que o exército de desempregados
fosse engrossando, a tal ponto que, perante o aumento da oferta de mão-de-obra,
os empregadores baixaram os níveis salariais e, muitas das vezes, os colaboradores
que “são solicitados” a trabalho extraordinário e mal remunerado, se veem
coagidos a aceitar essas condições, facto que se estende, pasme-se, até ao empregador
Estado que deveria ser o primeiro a dar o exemplo de boas práticas.
Em suma, se
quisermos estabelecer um paralelismo entre as relações laborais do século XVIII
e o século XXI, pondo de parte as condições de trabalho da época anterior e as
de hoje, muito mais facilitadas devido ao avanço tecnológico, direi que tudo
está na mesma, com a diferença de que hoje estas relações estão “protegidas”
por leis que, face às contingências de precariedade e de insegurança
relativamente ao futuro, são violadas por praticamente todos: uns porque veem
nisto uma oportunidade de aumentar as suas fortunas, outros porque não lhes
resta outra alternativa para irem garantindo o seu sustento e das suas
famílias.
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