“O homem é um animal cívico, um animal político”,
“somos bichos sociáveis, mas não instintiva e automaticamente sociais”.
Ao contrário das outras espécies animais, como seres
humanos inventamos formas diversas de sociedade em que nascemos e que vamos
transformando fazendo novas experiências de organização, ou seja, repetimos
gestos e obedecemos às regras do grupo (como qualquer animal), contudo, se não
estamos de acordo desobedecemos, revoltamo-nos, quebramos as rotinas e as
normas estabelecidas. O ser humano é o único animal capaz de se amotinar.
Não o fazemos sistematicamente e é normalmente
contrariados que obedecemos. Protestamos ao fazer o que os outros querem e é
necessário que nos convençam, e muita das vezes nos obriguem, antes de
acedermos a desempenhar o papel que nos atribuem na sociedade. Disse Kant que
os humanos são “insociavelmente sociáveis”, não vivemos em sociedade apenas a
obedecer e a repetir, mas também a revoltar-nos e a inventar.
Mas a nossa revolta não é contra a sociedade, mas
contra uma determinada sociedade. Não pela simples razão de que não queremos
obedecer a nada e a ninguém, mas porque queremos melhores razões, mais justas,
por queremos ser governados por leis mais dignas de respeito. Somos
“insociavelmente sociais”, mas não associais ou simplesmente antissociais.
A vida em sociedade faz-se de conflitos, porque nela vivem homens reais,
cada um deles diferente, com os seus próprios ideais e as suas paixões. Vivemos
em competição permanente, enfrentamo-nos uns aos outros porque os tomamos a
sério e é muito importante para nós a vida que levamos em comum com os outros.
Entramos em conflito uns com os outros pela mesma razão que nos ajudamos ou
colaboramos, porque os outros seres humanos nos preocupam e nos preocupa a
relação que possamos ter com eles, os valores que compartilhamos e aqueles em
que divergimos, o que nos dão ou que nos tiram, e damos grande importância à
opinião que têm de nós. Queremos que gostem de nós, que nos admirem ou, pelo
menos, nos respeitem ou então nos tenham medo…
O homem é um ser social mas ao mesmo tempo um
inconformado. Compartilha tradições, crenças, procura cumprir as normas da
sociedade em que está integrado mas, como ser humano que é, tem ideais,
carácter, iniciativas, paixões e ambições próprias, que podem divergir dos
outros e originar conflitos com o seu semelhante, ou mesmo com grande parte dos
membros da sociedade.
É do inconformismo e da diversidade de ideais que surge a contestação e
a revolta que leva ao confronto de
ideias e às invenções com a
finalidade de se obter uma sociedade cada vez mais justa e fraterna. As
próprias sociedades conflituam umas com as outras e a história mostra-nos que,
por vezes esses conflitos têm resultados perversos a longo prazo
(demasiadamente longos) mas, mais cedo ou mais tarde, acabam numa nova fase de
entendimento, de reconciliação, de concerto de ideias que levem a (inventar) uma melhor e sã convivência
entre todos, que levem ao progresso, ao bem-estar e melhor qualidade de vida
para a sociedade.
Porque nos importamos, nos preocupamos com os outros
para além de nós próprios, a nossa vontade de ir mais além, de progredir, de
alcançar uma melhor vida em comum, leva-nos à competição, a enfrentarmo-nos uns
aos outros e ao conflito. “Uma sociedade sem conflitos não seria uma sociedade
humana, mas um cemitério ou um museu de cera”. Ou seja, uma sociedade viva, com espírito de colaboração e entre ajuda, tem forçosamente diversidade de ideias,
de opiniões, e é desse confronto de ideias que nascem as soluções para a
implementação de medidas inovadoras conducentes ao bem-estar geral. O
unanimismo é a ausência de ideias e o caminho para o retrocesso.
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