sábado, 2 de julho de 2011

As transformações do trabalho em Portugal

Os efeitos da crise económica internacional, na década de 70, limitaram crescentemente a margem de manobra interna, agravando a incapacidade política de adopção de uma nova estratégia de desenvolvimento, enquanto ocorrem entretanto consideráveis transformações nos mercados de trabalho, como o reforço da terciarização, o crescimento expressivo da mulher nesse mercado, o retorno das ex-colónias, a diminuição dos fluxos de emigração, o abandono da agricultura, o aumento do desemprego, a precarização, o recurso a estratégias de pluriactividade.
A concentração dos sintomas de crise, entendida enquanto processo de mutação estrutural, foi de algum modo diferida em Portugal em relação ao contexto europeu. Desde 1978 que o País vive sob uma política restritiva decorrente de acordos com o FMI, mas o discurso e a intervenção governamentais tendem a sobrevalorizar os aspectos aparentemente conjunturais da crise, como o défice externo e a inflação, em detrimento das opções estratégicas de desenvolvimento: estas vão sendo colocadas na dependência das negociações da integração na CEE. Os processos de reconversão industrial, por exemplo, só começam a revelar o seu impacto social já na década de 80. E a este desfasamento dos sintomas estruturais da crise junta-se um outro, o da tomada de consciência ao nível quer da opinião pública, quer da própria percepção científica, já que o fervilhar de inovações teóricas neste campo disciplinar ocorrido nos últimos anos só tem sido acompanhado por um pequeno número de especialistas.
Será a verificação de novos problemas — como as transformações profundas na lógica do mercado de trabalho português, a recomposição acelerada das classes sociais, a penetração de novas tecnologias — que irá tornar mais evidentes as lacunas de potencial científico entretanto acumuladas. Com efeito, o potencial científico relativo aos problemas do trabalho e do emprego foi marginalizado durante décadas em consequência das «soluções» espontâneas que a sociedade portuguesa foi produzindo para os resolver: a emigração, o baixo nível de salários, o enfraquecimento do poder contratual das classes assalariadas. Mas estas «soluções» ameaçam agora esgotar-se e a descoberta de outras esbarra com um pesado défice de capacidade científica e, de um modo mais geral, de sensibilização e capacidade de inovação dos agentes sociais neste domínio.
As mutações estruturais em curso tendem, no entanto, a suscitar crescentes interesses (políticos, empresariais, sindicais, regionais e culturais) em torno de problemas como a valorização dos recursos humanos, os novos modelos de desenvolvimento, a informatização, a flexibilidade organizacional, a reconversão industrial, a formação profissional, as iniciativas locais de emprego, a sociedade pós-industrial.
Os anos 70 são, em regra, caracterizados do ponto de vista laboral, como o período em que se assistiu à emergência das formas de regulação macro nacionais e das políticas de concertação. Quer seja como forma de gerir a crise conjuntural, como forma de assegurar a governabilidade das relações capital/trabalho ou, ainda, como evolução natural do processo de institucionalização dos conflitos laborais, a intermediação de interesses e o diálogo social desempenharam um importante papel na regulação social. O declínio desta forma de macro regulação, nos anos 80, é normalmente interpretado como estando associado às tendências de desregulamentação e flexibilização das relações laborais, num contexto de transição do modelo fordista para o pós-fordista.
Perante este quadro, não faltou quem o interpretasse como o fim da concertação social. Para outros, porém, assistia-se, apenas, ao prenúncio de uma ruptura com o paradigma clássico da macro concertação, considerado “exausto”, impondo-se, assim, uma evolução direccionada para fórmulas novas e mais ágeis de “média” e “micro” concertação, intimamente associadas às condições concretas e específicas de cada empresa ou de cada sector de actividade, mantendo-se todavia as políticas de macro concertação, centradas nas políticas de rendimentos e preços, pois as mesmas continuavam a ser consideradas como as mais ajustadas à regulação das questões económicas e sociais. Na verdade, mesmo fora de contextos de crise, não deixava de existir um conjunto de domínios em que a formação de consensos entre os parceiros sociais se mantinha necessária, de que são exemplos a reforma do Estado/Providência — problema que excede os limites do médio prazo —, as políticas activas de emprego, a formação profissional, a certificação profissional, entre outros.
É neste contexto que, no início dos anos 90, se assiste, em Portugal e diversos países europeus, a um “retorno do diálogo social” que se traduziu na negociação de pactos entre os parceiros sociais. As razões mais significativas que podem justificar o “retorno” à negociação de pactos sociais, prendem-se com o processo de integração europeia, com a globalização e a mundialização e com a introdução de tecnologias de informação; entre as questões associadas aos critérios de convergência e ao ajustamento estrutural constantes desses acordos, são de destacar o controlo do défice público, o controlo da inflação, a distribuição de ganhos de produtividade, a moderação salarial e a redução do desemprego. Nalguns casos, operaram-se, mesmo, importantes reformas no domínio da segurança social, da negociação colectiva, das formas de resolução extrajudicial de conflitos laborais, do trabalho a tempo parcial, da formação profissional, etc.
Hoje em dia, a formação do diálogo social e da concertação torna-se num exercício cada vez mais difícil na medida em que a ideologia neoliberal a desencoraja. Acresce ainda o facto da economia global, marcada pela grande mobilidade do capital financeiro e pela grande deslocação da produção, concorrer para a dissociação entre empresas e economias nacionais.
Discutindo a experiência da Comunidade Europeia, mais especificamente de Portugal, destacam-se as possibilidades e limites da nova abordagem sobre as políticas sociais, cuja proposta reside em substituir as políticas passivas de compensação monetária – políticas de subsidiação – por políticas de activação/inserção, voltadas para a amenização da exclusão social e moral dos desempregados através de sua efectiva participação na vida da comunidade.
A especificidade da realidade actual caracterizar-se-á pelo que alguns chamam o regime de risco, ou seja, a ideia de que, em princípio, há maiores possibilidades e alternativas, em consequência, a previsão e o planeamento tornam-se problemáticos. Quando os mercados são globalizados e diversificados, a procura é quantitativa e qualitativamente menos previsível; o mesmo ocorre com a padronização quando a produção é globalizada e descentralizada.
Portanto, as transformações no mundo do trabalho são, ao mesmo tempo, consequência e sustentáculo de mudanças mais gerais que vão ocorrendo na política, na economia e na sociedade, não são mera consequência de um novo padrão tecnológico, mas são determinadas socialmente. A adaptabilidade das normas coloca a demanda por procedimentos que facilitem a alteração das condições que regem o trabalho, pois na lógica de um capitalismo sob a dominância do capital financeiro prevalece a dimensão do curto prazo, exigindo também uma flexibilidade do trabalho. Num capitalismo desregulado, tende a prevalecer a fluidez e a efemeridade, que passam a não só reger a produção de bens como também a influenciar os valores da sociedade. Nessa ordem, a confiança, a lealdade e o compromisso mútuo são princípios corroídos pelo avanço da razão económica. A própria gestão da força de trabalho segue os preceitos dos valores associados ao curto prazo: a flexibilidade, a autogestão da carreira, o estímulo ao risco, a co-operatividade superficial e o desapego.

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