Numa economia global, onde o capital circula livremente nas redes financeiras globais, há uma tendência crescente para interdependência da força de trabalho à escala global, ainda que constrangido pelas instituições, culturas, fronteiras, políticas e xenofobia.
O aprofundamento do processo de globalização económica alarga a interpenetração das redes de gestão e produção além fronteiras, aproximando as condições da força de trabalho nos diferentes países, com os diferentes níveis de salários e protecção social, distinguindo-se, cada vez menos, as qualificações e as tecnologias, dando novas oportunidades às empresas dos países avançados em relação às suas estratégias de emprego, no que respeita à mão-de-obra qualificada ou não qualificada, podendo optar por:
· Manter um quadro de efectivos indispensável à força de trabalho mais qualificada e importar mais-valias das zonas de baixo custo, ou;
· Subcontratar parte do trabalho dentro das suas filiais e redes auxiliares, internalizando a produção dentro do sistema da empresa em rede, ou;
· Recorrer a trabalhadores em regime de tempo parcial ou a empresas dentro do país de origem, ou;
· Automatizar ou redefinir as tarefas e funções, cujos custos do mercado de trabalho sejam considerados elevados por comparação com fórmulas alternativas, ou ainda;
· Com a anuência da força de trabalho, obter condições de trabalho e salários restritivos como condição para a manutenção dos empregos, com prejuízo dos contratos sociais mais favoráveis, anteriormente estabelecidos.
A tecnologia informática, a internet e as suas aplicações, progredindo a passos de gigante, tornaram-se cada vez mais baratas e com maior qualidade, permitindo a sua aquisição e utilização em larga escala, acelerando a mudança dos processos de trabalho, a corrida tecnológica e de gestão e a evolução das organizações para novas formas baseadas na flexibilidade e actuação em rede. Os gestores e os seus consultores acabaram por perceber o potencial das novas tecnologias e o seu uso, embora muitas vezes restringissem esse potencial aos limites dos objectivos organizacionais antigos, como o aumento do lucro a curto prazo.
O contexto social e particularmente a relação capital/trabalho, face às decisões específicas de gestão das empresas, afectam os processos de trabalho e as consequências de tais alterações para os trabalhadores.
A interacção entre a mudança tecnológica e a reestruturação nas empresas, mostrou que as novas tecnologias foram introduzidas, na parte final do século passado, para economizar mão-de-obra, ao invés de melhorar a qualidade ou aumentar a produtividade sem recurso aos despedimentos. Em lugar de se modernizarem, muitas vezes as empresas fechavam fábricas sindicalizadas para abrirem outras, livres da pressão sindical, por vezes na mesma região. Consequência disso, o nível de emprego caiu drasticamente havendo uma acentuada redução dos efectivos da produção em relação aos dirigentes e profissionais.
As novas tecnologias de informação redefinem assim os processos de trabalho e as relações entre trabalhadores; a estrutura ocupacional e o emprego. As exigências ao nível de qualificações e, por vezes, salários e condições de trabalho em sectores mais dinâmicos, passam a ser mais elevadas, embora muitos estejam a ser gradualmente eliminados devido à automatização da indústria e serviços. O aumento das qualificações profissionais aparta ainda mais os trabalhadores com base na educação, já por si um sistema bastante segregado e que corresponde a uma estrutura funcionalmente afastada, em particular a mão-de-obra desvalorizada de uma nova geração formada por mulheres, minorias étnicas e jovens, concentrada em trabalhos de baixa qualificação e mal pagos, assim como o trabalho temporário e/ou serviços. Nestas condições o conceito de trabalho poderá mudar definitivamente; emprego, horário, dia de trabalho, ocupação, poderão mudar para sempre.
O aumento do desemprego na Europa Ocidental durante as décadas de 80 e 90, reacendeu entre os trabalhadores o receio de serem substituídos pelas máquinas ou de se tornarem irrelevantes na lógica produtiva, levantando questões sobre a ruptura dos mercados de trabalho e de toda a estrutura social, devido ao impacto da introdução das tecnologias viradas para a economia de mão-de-obra.
As tecnologias reduzem o tempo de trabalho por unidade, alteram a quantidade e qualidade do emprego, bem como a sua natureza, tipo de trabalho executado, relação entre homens e mulheres e as condições de trabalho. Requerem uma nova força de trabalho e os indivíduos e grupos incapazes de adquirir novas qualificações poderão ser excluídos ou desvalorizados profissionalmente.
Esta lógica, apesar da valorização profissional, promoveu a separação social que pode ser revertida através de políticas que visem o reequilíbrio social mas, a concorrência descontrolada no modelo informacional levará o emprego e a estrutura social à dualidade. A flexibilidade dos processos e mercados de trabalho introduzida pela empresa em rede e facilitada pelas tecnologias da informação afecta as relações de produção herdadas do industrialismo, introduz novos modelos: o trabalho e o trabalhador flexíveis.
Apesar de não criar nem eliminar empregos, a tecnologia transforma a natureza do trabalho e a organização da produção. A reestruturação empresarial e organizacional com recurso às novas tecnologias de informação e estimulada pela concorrência global introduz uma transformação importante: “a individualização do trabalho no processo de trabalho”. Com excepção da América e do Japão, um novo fantasma persegue a Europa: o surgimento de uma sociedade sem emprego debaixo do impacto das novas tecnologias. Mas, como acontece com outros fantasmas, esta parece ser mais uma questão fantasiosa do que uma realidade pavorosa e a história, os dados actuais, as projecções do emprego na OCDE e a teoria económica não confirmam esses receios a longo prazo, mesmo com os dolorosos acertos na transição do modelo informacional. Um papel mais importante do que a tecnologia parece caber às instituições e organizações sociais do trabalho, na criação ou eliminação do emprego. Os traços predominantes da era industrial, baseados no trabalho assalariado e na socialização da produção, reverteram as tendências da história e a nova organização económica e social, baseada nas tecnologias da informação, visa a descentralização da gestão, do trabalho individualizado e dos mercados especializados, dividindo o trabalho e as sociedades, descentralizando tarefas e a sua coordenação em tempo real numa rede de comunicações interactiva entre continentes ou mesmo entre andares do mesmo prédio. O despontar dos métodos de produção em linha segue a par com a difusão das práticas empresariais de subcontratação, das parcerias, consultoria, redução de efectivos e produção personalizada.
Face à concorrência e impelidas pela tecnologia, as tendências para a flexibilidade laboral fundamentam a actual mudança da organização do trabalho. Martin Canoy distingue quatro elementos nesta mudança:
1. Tempo de trabalho: o trabalho flexível não implica o constrangimento do modelo tradicional das 35-40 horas de trabalho semanais como num emprego a tempo inteiro.
2. Estabilidade no emprego: o trabalho flexível orienta-se para a realização de uma tarefa sem o compromisso de um futuro emprego.
3. Localização: enquanto a maioria dos trabalhadores ainda trabalha regularmente na sua empresa, um número crescente já trabalha parcial ou totalmente fora do seu local de trabalho, em parte ou na totalidade do seu dia de trabalho, seja em casa, em viagem ou nas instalações de uma outra empresa que a sua unidade empresarial subcontrata.
4. O contrato social entre o empregador e o empregado: o contrato social é, ou era, baseado no compromisso assumido pelo empregador relativamente aos direitos dos trabalhadores, ao padrão de remunerações, às opções de formação, aos benefícios sociais e ao modelo de carreira normalmente baseado na antiguidade; e ao compromisso assumido pelo trabalhador garantindo a lealdade, o trabalho e horas extraordinárias se necessário – sem compensação no caso dos dirigentes – com pagamento extra no caso dos trabalhadores ligados à produção.
Este modelo de emprego, designado de modelo padrão, encontra-se em declínio por toda a parte, desenvolvendo-se simultaneamente, no âmbito das quatro dimensões acima mencionadas, a favor do trabalho flexível.
Com adequadas condições institucionais e empresariais, em vez de criar desemprego, a difusão das tecnologias de informação parece até criar empregos a longo prazo, pois a transformação da gestão e do trabalho melhora o nível da estrutura ocupacional aumentando o número de empregos de baixa qualificação. No entanto, o processo de transição para a sociedade informacional e para a economia global caracteriza-se pela precarização das condições de vida e do trabalho, que assume formas distintas em diversos contextos: aumento de desemprego na Europa; queda real dos salários aumentando a desigualdade e instabilidade nos Estados Unidos (até 1996 pelo menos); subemprego e maior divisão da força de trabalho no Japão; desregulação contratual e desvalorização da mão-de-obra nos países em desenvolvimento; crescente marginalização do trabalho agrícola nas economias subdesenvolvidas e estagnadas.
A força de trabalho permanente, apesar de mais bem paga e mais estável, sob condições de flexibilidade sem restrições também é afectada, submetendo-se à mobilidade através da redução do período de vida profissional pelo qual os especialistas são recrutados para o quadro da empresa.
A lógica deste modelo de trabalho revela que a redução de mão-de-obra resultante da introdução de máquinas e equipamentos computadorizados, nos anos 80, esteve na ordem inversa do nível de protecção dos trabalhadores, no entanto, as empresas com altos níveis de protecção eram também as mais inovadoras, demonstrando que não há necessariamente um conflito entre o aperfeiçoamento tecnológico da empresa e o facto de ficar com a maioria dos seus trabalhadores, investindo na sua formação, apresentando igualmente elevados níveis de sindicalização.
Para reverter a quebra dos lucros sem causar inflação, as economias nacionais e as empresas privadas têm privilegiado a sua actuação sobre os custos da mão-de-obra desde o início dos anos 80, quer aumentando a produtividade sem criação de emprego (Europa), quer através do decréscimo dos custos associados a um conjunto de novos empregos (U.S.A). Os principais obstáculos à estratégia unilateral de reestruturação, os sindicatos, foram enfraquecidos, quer pela sua inabilidade na representação de novos tipos de trabalhadores (mulheres, jovens e imigrantes), quer na actuação em novos locais de trabalho (escritórios, industrias de alta tecnologia), quer no funcionamento de novas formas de organização laboral (a empresa em rede à escala global).
O extraordinário aumento da flexibilidade e adaptabilidade permitidas pelas novas tecnologias contrapôs a rigidez do trabalho à mobilidade do capital, prosseguindo uma contínua pressão para tornar o trabalho o mais flexível possível, aumentando a produtividade e rentabilidade, mas forçou os trabalhadores a perderem protecção institucional e ficarem cada vez mais dependentes de negociação individual e de um mercado de trabalho em constante mutação.
Como desde sempre aconteceu na história humana, a sociedade dividiu-se entre vencedores e vencidos no contínuo processo de negociação individual e desigual mas, desta vez, com poucas regras sobre como vencer ou perder. Os trabalhadores, independentemente das suas qualificações, nunca foram tão vulneráveis à empresa, tornaram-se baratos, contratados numa rede flexível, cujo paradeiro a própria rede desconhece.
Neste sentido, as sociedades estão a ficar dualizadas, com uma camada superior e inferior a crescer nas duas extremidades, comprimindo o meio a um ritmo e proporção dependente da posição de cada país na divisão internacional do trabalho e do seu clima político mas, no cerne da estrutura social emergente, o trabalho informacional desencadeia um processo mais importante: a desagregação do trabalho que marca o surgimento da sociedade em rede.
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