A segunda metade do século XX patenteou claros sinais de intensificação dos processos de globalização económica.
Se procedermos a uma análise por décadas, verificamos que após o crescimento económico e o aumento da produtividade mundiais que marcaram os anos sessenta, a década de setenta significou, porém, o início do abrandamento dessa evolução favorável, transportando para as décadas de oitenta e mesmo de noventa muitos dos sinais de desaceleração económica, ainda que esses sinais tenham apresentado um grau de intensidade diferenciado pelo mundo fora. Apesar disso, a década em que vivemos está sobretudo a confirmar a tendência para a crescente globalização dos mercados já registada no decénio precedente, confirmando assim o peso da “escala global”. O comércio financeiro mundial estimulou a multiplicação das empresas transnacionais que actuam não só em função das economias de muitas regiões do mundo, como contribuem directamente para a globalização do mercado por via dos seus investimentos directos estrangeiros (prioritariamente na América do Norte, Europa ou Ásia, mas também, cada vez mais, noutras regiões do globo como a América Latina). Por exemplo, ao longo da segunda metade da década de oitenta, em países como Itália e Portugal, o investimento americano directo cresceu mais de 150,0% e mais do que duplicou no Luxemburgo, França, Holanda, Irlanda e Espanha.
Tendo-se apoiado, na sua fase contemporânea, em instituições promotoras do comércio e investimento estrangeiros, a globalização revela-se capaz, através da sua propensão aglutinadora, de revelar tendências comuns. Do ponto de vista sindical, uma dessas tendências comuns é simultaneamente um medo comum: o medo que os diferentes movimentos sindicais nacionais expressam de que a globalização lhes está a cortar pela raiz as suas capacidades de negociação e de influência política. Este efeito negativo da globalização sobre o sindicalismo é testemunhado pela competição resultante das produções de baixo custo que exercem pressão de sentido descendente sobre os salários e o emprego em indústrias como a têxtil ou do vestuário. Procurando assegurar vantagens competitivas, os empregadores investem frequentemente na produção de bens e serviços tecnologicamente mais intensivos (que incorporam mais tecnologia), o que, no curto prazo, pode trazer consequências nocivas para os sindicatos visto que “reduz a procura de trabalhadores manuais – que constituem uma grande parte de muitos movimentos laborais – enquanto impulsiona o emprego dos trabalhadores não manuais”.
No passado, o capital encontrava-se mais predisposto a aceitar a negociação colectiva sempre que os sindicatos concordassem em “retirar” (moderar) das suas agendas (pela competição) as reivindicações salariais. Tal situação fazia sentido na medida em que os mercados eram fixados dentro de parâmetros nacionais, o que, no fundo, nos confrontava com um capital menos volátil. No presente, porém, com a globalização crescente dos mercados, os sindicatos têm pela frente a difícil tarefa de harmonizar salários para além das fronteiras nacionais. Este facto contribui para enfraquecer a posição do trabalho face ao capital, pois este encontra-se agora mais predisposto a proceder a relocalizações. A “aposta” nestas cria condições intimidatórias para a esfera do trabalho e, consequentemente, fragiliza a capacidade negocial dos seus representantes.
A crise generalizada dos Estados/Providência e das formas de bem-estar que lhe estão associadas produz igualmente reflexos sobre o sindicalismo, abalando irrepreensivelmente a imagem de prosperidade social, assim como as atitudes favoráveis que o período do pós-guerra fizera florir. Perante um cenário de ensaio de recuperação de uma política a nível global – em que os capitalistas não produzem para um “mercado interno” mas sim para um mercado global, sendo que, portanto, os consumidores dos seus produtos não são os seus trabalhadores –, deixa de haver garantias de que os trabalhadores, de forma organizada, apliquem os seus rendimentos em produtos fabricados “em casa”. Na prática, e por efeito da globalização, assiste-se a um enfraquecimento das estratégias e à correspondente deterioração do poder de negociação da esfera laboral.
Como se foi já deixando antever, além de reflectir o carácter actual da globalização, a internacionalização das empresas constitui um motivo importante para a procura de esforços correspondentes do ponto de vista laboral. Se é certo que o capital é tendencialmente mais móvel que o trabalho e que este historicamente sempre esteve mais vinculado aos espaços nacionais, tal não significa que não se possam “medir” os efeitos desestruturantes da globalização (em especial de tipo económico) sobre o mundo do trabalho.
Um dos efeitos mais imediatos da globalização sobre o trabalho é detectável através do consumo, em especial se atentarmos que cada vez mais se fazem convergir gostos e estilos de vida à escala global. No entanto, a lógica global que o consumo dá mostras de propiciar, ou que através dela se parece poder aceder, é acompanhada por uma descoincidência entre duas figuras que, sendo a mesma, não o são: a figura do consumidor e a figura do trabalhador. Ou seja, ainda que muitos consumidores sejam simultaneamente trabalhadores, a contradição reside no facto de que enquanto os primeiros (e os produtos do mercado) são crescentemente globais, os segundos (e os mercados de trabalho) não o são. Trata-se de um paradoxo que não pode ser esquecido, ainda que alguma literatura sobre a globalização possa obscurecê-lo, ao tratar os cidadãos como consumidores (pois nessa condição os benefícios da globalização parecem ser mais palpáveis) em vez de os considerar como trabalhadores (condição mais comummente associada às incertezas do que aos benefícios).
As mutações, tendências e efeitos que a (i)lógica global suscita e em que o movimento sindical está enleado são acentuadamente marcados por factores de ordem económica. A posição de subalternidade laboral decorrente da imposição de tais factores pode ser constatada tanto à escala nacional como à escala transnacional, pela observação de um “sindicalismo interno” que representa trabalhadores que auferem baixos salários.
Mesmo que a globalização provoque, como se vem procurando mostrar, impactos desestruturadores sobre os mercados de trabalho, é curial ter em consideração que tais impactos são condicionados igualmente por diferentes instituições e tradições nacionais – estruturas sindicais específicas, acções governativas e políticas patronais concretas, etc. Com efeito, apesar das tentativas encetadas para harmonizar internacionalmente os mercados de trabalho – como foi o caso, na Europa, da aprovação, em finais de 1989, da Carta Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais dos Trabalhadores, estes continuam a ser marcados por estruturas salariais específicas, programas de bem-estar diferenciados e sistemas de relações de trabalho distintos.
Um novo foco de identidade para o trabalho tem pois de ser redescoberto entre particularismos e especificidades. Ao contrário da visão tradicional da solidariedade acolhida pelo movimento sindical – que assenta no princípio de que todos os trabalhadores assalariados possuem um número de interesses comuns na base de características da sua situação de trabalho objectivamente presumida –, a norma actual é que as acções das pessoas sejam de suporte recíproco ou que, pelo menos, não causem prejuízo aos outros. Num cenário crescentemente caracterizado pelas formas de trabalho atípico, “várias formas de solidariedade são possíveis e necessárias. A visão tradicional de solidariedade permanece válida em certa medida. Contudo, já não é a única e talvez não seja, provavelmente, a mais importante base para uma prática sindical”.
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