sábado, 16 de abril de 2011

Religião - Estado - Racismo - Xenofobia - Nacionalismo - Cidadania

A partir da invenção da igualdade e democracia na antiga Grécia e a introdução do direito, pelos romanos, as formas políticas continuaram a evoluir e a transformar-se. Os gregos foram directamente democráticos e igualitários apenas entre si, dentro de cada cidade (polis), enquanto que os romanos, imperialistas e saqueadores, através da extensão das suas conquistas, contribuíram para que os direitos políticos se tornassem universais, podendo qualquer indivíduo, no interior do império, deles ter pleno gozo.
Outrora, a hierarquia social, ditada pela natureza ou pelos deuses, opunha grandes resistências às transformações radicais, as iniciativas individuais eram bastante limitadas; hoje, as instituições são vistas como invenções humanas e a tentação de novas transformações está sempre presente. Se a pergunta de ontem era: porquê mudar alguma coisa?; hoje é antes: por que não mudar a todo o momento? Fortalece-se assim a oposição indivíduo/Estado. O Indivíduo, com a sua vontade, com as suas decisões e o apoio que constitui, é o fundamento último da legitimidade do Estado e o Estado apoia-se e justifica-se nos acordos firmados entre os indivíduos.
No fundo, o importante não é a nossa pertença a uma nação, contexto social ou ideológico, por muito que a sua influência pese na nossa vida, mas a pertença à espécie humana que compartilhamos com os homens de todas as nações, culturas e camadas sociais. Os direitos humanos são uma série de regras universais a aplicarmos entre nós, independentemente da posição histórica acidental de cada um. Quando se reivindicam tais direitos para grupos particulares em nome de outra abstracção, perverte-se-lhes o sentido, ainda que o façamos com a melhor das intenções.
Há determinados fanatismos que estabelecem hierarquias ou pretendem fazer com que os homens vivam em compartimentos fechados, como se não pertencêssemos todos à mesma espécie. O racismo estabelece que a cor da pele ou qualquer outro traço arbitrário determina que a pessoa deve ter estes ou aqueles traços de carácter, morais ou intelectuais. Os níveis de educação e as tradições culturais têm influência na maneira de ser das pessoas, mas a raça não. Pode-se melhorar a educação, alterar costumes, ideias e religião, mas não o património genético. As disputas ideológicas ou religiosas podem ter solução, mas não há reconciliação possível para a estupidez do ódio racial. Racialmente não há nenhum tipo de homem inferior aos outros, mas em termos éticos e políticos é inferior quem acredita na existência racial de seres humanos inferiores. Do ponto de vista da ciência, todas as doutrinas raciais são meras fantasias arbitrárias.
Historicamente, as pessoas não são racistas mas xenófobas: detestam os estrangeiros, os diferentes, os que falam outra língua ou têm comportamentos diferentes. Sentem-se incomodados perante eles. Como não estão seguros de si, querem que todos à sua volta pensem e vivam como eles a fim de se sentirem mais confirmados. A rejeição dos estranhos serve de desculpa para justificar os abusos cometidos contra eles e a marginalização imposta. Os estrangeiros que mais incomodam são os pobres, e por isso, considerados inferiores, perigosos, etc. Os turistas, que chegam com bom dinheiro nos bolsos, são aceites sem racismo ou xenofobia e até são rodeados de admiração e inveja. Os xenófobos dizem sempre que nada têm contra os outros, mas que se deve reconhecer que eles têm defeitos que devem ser considerados. Inventam-se assim calúnias (ou elogios de possíveis virtudes) acerca dos grupos humanos, sendo umas tão falsas como as outras, que mudam de época para época, pois não passam de generalizações apressadas sobre a forma de vida de uma sociedade num momento histórico.
Mais cautelosa que o racismo, em termos de expressão, a xenofobia não advoga o extermínio nem a inferioridade intrínseca dos estranhos, mas simplesmente que voltem para a terra deles, porque nós cá somos diferentes. Consideram que os países têm uma forma der ser homogénea que deve ser protegida do contágio exterior. A realidade mostra o contrário: todos os países surgiram a partir de misturas e adaptações de grupos distintos; “os grupos puros, as raças puras, as nações puras, só produzem tédio… ou crimes”.
A mais comum mas não menos perigosa destas perversões com a pertença aos nossos é o nacionalismo. Foi a origem de uma ideologia de justificação dos Estados modernos. Os cidadãos que já não se identificavam com um rei de direito divino nem com a nobreza de sangue, adoptaram um novo ideal colectivo: a Nação, a Pátria, o Povo. O nacionalismo define-se sempre contra alguém, necessita de se sentir ameaçado culpando outros países ou grupos dentro de um Estado de todas as insuficiências e problemas. A mentalidade nacionalista não tem outro projecto político para além de promover os de dentro a expensas dos de fora, para endeusar os Estados poderosos, para destruir alguns mais fracos ou para servir de trampolim a políticos ambiciosos pertencentes a minorias culturais, mas sem programas de transformação da sociedade, apostando mais nas superstições populares do que na capacidade do pensamento nacional.
Existem inúmeras diferenças entre a democracia praticada na antiga Grécia e as democracias actuais. A principal está em que os gregos tinham participação política obrigatória, enquanto que na actualidade é um direito que exercemos quando queremos e ao qual podemos pontualmente renunciar. O modo de participar é também diferente: as cidades gregas eram pequenas e todos os cidadãos intervinham na tomada de decisões importantes, representando-se cada um a si próprio; nos Estados de hoje, vivem milhões de pessoas que são convocadas, de vez em quando, para elegerem alguns representantes políticos que deliberarão e decidirão de facto o que deve ser feito no plano da administração política quotidiana. Os regimes democráticos actuais são constituídos por representantes eleitos pelos cidadãos, com a missão de resolver os problemas práticos da administração da sociedade de acordo com a vontade expressa da maioria, sendo renumerados pela sua missão.
Mas estes nossos representantes tendem a esquecer que não passam de mandatários nossos, para se tornarem em especialistas em mandar. Na democracia moderna, os partidos têm uma função que parece insubstituível mas, através de listas eleitorais fechadas, da disciplina de voto e outros procedimentos arbitrários, acabam impermeáveis à crítica e ao controlo dos cidadãos, que cada vez se sentem mais desmotivados, deixando de lado a reflexão sobre os negócios públicos e desinteressando-se pela política. Acrescente-se ainda a corrupção que se verifica em tantos países democráticos entre os políticos profissionais. Os partidos, que não deviam passar de instrumentos de facilitação e participação de todos nós nas tarefas da governação, acabam em fins de si próprios e por decidirem do bem e do mal.
Compete-nos a nós exigir a aplicação severa das leis, não deixando impunes os delitos seja de quem for; procurar relativizar o papel dos partidos, retirando-lhes privilégios e importância, não aceitando mecanismos autoritários que impeçam as vozes críticas neles existentes de fazer valer a sua voz e as suas razões; desenvolver formas paralelas de participação na vida pública, como: colectividades de cidadãos, assembleias de moradores ou outras actividades de interesse colectivo.
Compete-nos evitar que se forme uma casta de especialistas em mandar inamovíveis, perante os quais tenhamos que nos resignar e ser especialistas em obedecer.
Na sociedade actual os valores do despotismo vão sendo substituídos pelos valores da democracia e tolerância. Certas práticas despóticas eram confundidas com a disciplina, ao passo que hoje a tolerância dos valores democráticos parece querer confundir-se com a indisciplina.
A forma de proteger o nosso modo de vida e os nossos valores, não está na utilização dos métodos autoritários, mas sim na tolerância, na compreensão dos outros, desde que sejamos exigentes nos valores da moral e da ética.

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