sábado, 2 de abril de 2011

BIOGRAFIA DE ALVES DOS REIS


Entrou para a história de Portugal como o seu maior burlão, a partir de uma gigantesca fraude financeira.
Uma figura fascinante, dotada de grande inteligência e fértil imaginação que, apesar da gigantesca fraude que protagonizou, contribuiu, apesar disso, para o desenvolvimento de Angola, nomeadamente nos caminhos-de-ferro.
A família
Artur Virgílio Alves dos Reis nasceu em Lisboa a 3 de Setembro de 1898 e faleceu em 1955.
Filho de família modesta (o pai era cangalheiro e vivia com dificuldades), Alves do Reis chegou a frequentar estudos de engenharia mas não passaria do 1º ano. Abandonou o curso para casar com Maria Luísa Jacobetty de Azevedo, oriunda de uma família abastada, no mesmo ano em que a casa de seu pai faliu. Para fugir às humilhações impostas pela família da esposa, tenta a fortuna imigrando para Angola.
Formação
Faz-se passar por engenheiro falsificando o diploma nº 248 de uma escola politécnica de engenharia de Oxford que nem sequer existia: a Polytechnic School of Engineering. De acordo com esse diploma, teria estudos de engenharia, geologia, geometria, metalurgia, matemática pura, paleografia, engenharia eléctrica e mecânica, mecânica e física aplicada, engenharia civil geral, engenharia civil e mecânica, engenharia geral, design mecânico e civil; quase tudo.
O começo
Começou como funcionário público nas obras públicas de esgotos, chegando a inspector. Foi também director dos Caminhos de Ferro.
Com um cheque sem cobertura, compra a maioria das acções da Companhia dos Caminhos de Ferro Transafricanos de Angola, em Moçâmedes, tornando-se rico e ganhando prestígio.
De volta a Lisboa (1922) compra uma empresa de revenda de automóveis americanos, tenta apoderar-se da Companhia Ambaca, passando cheques sem cobertura sobre o National City Bank, de Nova Iorque, usando depois o dinheiro da própria companhia para cobrir os cheques sobre a sua conta pessoal. No total apodera-se ilegitimamente de 100 mil dólares americanos. Alves dos Reis pretendia vender as acções antes de os cheques chegarem ao destinatário. O principal comprador seria Norton de Matos, comissário-geral de Angola. Com esse dinheiro compra também a Companhia Mineira do Sul de Angola. No entanto, mesmo antes de controlar toda a Ambaca, é descoberto por desfalque e preso no Porto, em Julho de 1924. É também acusado de tráfico de armas.
A gigantesca fraude
Durante o tempo em que permanece na prisão (foi libertado em 27 de Agosto por pormenores processuais) concebe o seu plano mais ousado. A sua ideia é falsificar um contrato em nome do Banco de Portugal, na altura era uma instituição parcialmente privada, que lhe permitiria obter notas falsas mas impressas numa empresa legítima e com qualidade igual às verdadeiras.
Os cúmplices
Para por o seu plano em marcha contactou vários cúmplices e colaboradores de boa-fé. Entre eles encontrava-se o financeiro holandês Karel Marang van Ysselveere,a) o espião alemão Adolfh Hennies e várias figuras conhecidas, especialmente José Bandeira, irmão de António Bandeira, embaixador português em Haia.
a)     Recebeu do governo português, de 1917 a 1925, diversas condecorações.
Os preparativos e os contactos
Alves dos Reis preparou um contrato fictício e conseguiu que fosse reconhecido notarialmente. Através de José Bandeira, obtém a assinatura do embaixador António Bandeira e consegue ainda que o seu contrato seja validado pelos consulados de Inglaterra, Alemanha e França. Traduziu-o para francês e falsificou as assinaturas da administração do Banco de Portugal.
Com a cumplicidade de Karel Marang dirigiu-se a uma empresa de papel-moeda holandesa que os remeteu para a empresa inglesa Waterlow & Sons Limited de Londres, a casa impressora de moeda do Banco de Portugal. Em 4 de Dezembro de 1924, Marang explica ao Sr. William Waterlow que, por razões políticas, todos os contactos ligados à impressão das novas notas deveriam ser feitos com a maior das discrições, alegando que o objectivo das notas era conceder um grande empréstimo para o desenvolvimento de Angola. As cartas do Banco de Portugal para a Waterlow & Sons Limited foram falsificadas por Alves dos Reis. William Waterlow escreveu uma carta confidencial ao governador do Banco de Portugal, Inocêncio Camacho Rodrigues, em que referencia os contactos com Marang mas, aparentemente, a carta ter-se-á extraviado.
O seu desenvolvimento
Estipulava o caderno de encargos de impressão das notas que estas viriam a ter posteriormente a sobrecarga Angola dado que, alegadamente, se destinariam a circular aí. Por essa razão os seus números de série seriam iguais aos de notas a circular em Portugal.
Foram assim impressas 200 mil (ou 580 mil?a)) notas de valor nominal de 500$00 (quase 1% do PIB de então) com a efígie de Vasco da Gama chapa 2, com data de 17 de Novembro de 1922, em quantidade quase igual à das notas legítimas. A primeira remessa teve lugar em Fevereiro de 1925, um ano depois de as notas verdadeiras de 500$00 com a efígie de Vasco da Gama terem começado a circular. As notas passavam de Inglaterra a Portugal com a ajuda dos seus cúmplices, José Bandeira que utilizava as vantagens diplomáticas de seu irmão, Karel Marang e ligações ao cônsul da Libéria em Londres.
A Alves dos Reis, mentor da fraude e falsificador de todos os documentos, caberia apenas 25% das notas. Mesmo assim, com esse dinheiro fundou o Banco de Angola e Metrópole, em Junho de 1925. Para obter o alvará de abertura deste banco recorreu também a diversas falsificações. Investiu na bolsa de valores e no mercado de câmbios. Comprou o Palácio do Menino de Ouro (actualmente o British Council em Lisboa) ao milionário Luís Fernandes, adquiriu três quintas e uma frota de táxis. Além disso gastou avultadas somas em jóias e roupas caras para a sua esposa quando das estadias em Paris, no hotel Claridge e para a amante de José Bandeira, Fie Carelsen, uma actriz holandesa. Tentou também comprar o Diário de Notícias.
O seu objectivo era afinal comprar acções e conseguir o controlo do Banco de Portugal, de forma a cobrir as falsificações e abafar qualquer investigação. Assim, durante o verão de 1925, directamente ou através de diversos cúmplices, comprou sete mil acções do Banco de Portugal. Em fins de Setembro já disponha de nove mil e, no fim de Novembro, dez mil. Seriam necessárias 45 mil acções para controlar o banco central.
a) Nas pesquisas efectuadas encontrei uma versão que indica 580 mil notas.
Os rumores e a descoberta da burla
Ao longo de 1925 começaram os rumores de notas falsas, mas os especialistas de contrafação dos bancos não detectaram qualquer nota que indiciasse ser falsa. A partir de 23 de Novembro, Alves dos Reis e os negócios pouco transparentes do Banco de Angola e Metrópole atraem a curiosidade dos jornalistas de “O Século”, o principal diário de então. O que os jornalistas procuravam perceber era como era possível o Banco de Angola conceder empréstimos a taxas de juro baixas, sem necessidade de receber depósitos. Pensou-se, inicialmente, que se tratava de uma táctica alemã para perturbar a economia do país e obter vantagens junto desta colónia portuguesa.
 A 5 de Dezembro de 1925 a burla é publicada nas páginas do jornal “O Século”. Um dia antes, o Banco de Portugal enviara para o Porto o inspector do Conselho do Comércio Bancário, João Teixeira Direito, para investigar os vultosos depósitos pelo Banco de Angola e Metrópole em notas de 500$00 novas na firma cambista Pinto da Cunha. Apenas conseguem detectar, a altas horas, uma nota duplicada com o mesmo número de série, nos cofres da delegação do Porto do Banco de Angola. São dadas instruções para que as agências bancárias ponham em cofre todas as notas por ordem numérica e muitas notas com números repetidos apareceram.
Prisão e condenação
Foi confiscado o património do Banco de Angola e Metrópole e obtidas provas junto da Waterlow & Sons Limited. Alves dos Reis é preso a 6 de Dezembro a bordo do “Adolfh Woermen” quando regressava de Angola, com 28 anos de idade. A maior parte dos seus associados foram também presos, tendo escapado Adolfh Hennies, que se encontrava consigo no momento da prisão.
Alves dos Reis permaneceu na prisão, aguardando julgamento, até 8 de Maio de 1930. Durante este período convenceu um juiz de instrução que a própria administração do Banco de Portugal estava implicada na fraude, falsificando diversos documentos e tentou também suicidar-se.
É julgado no tribunal de Stª Clara, em Lisboa, em Maio de 1930 e condenado a 30 anos de prisão e, aí, converte-se ao protestantismo. Durante o julgamento alegou que o seu objectivo era, apenas, desenvolver Angola. Saiu em liberdade em Maio de 1945. É-lhe oferecido um emprego como bancário, que recusa. Ainda é condenado sete anos de prisão por burlar um negociante de Lisboa a quem prometera a venda de 6.400 arrobas (96 toneladas) de café, mas já não cumpre a pena. Morre, na pobreza, em 9 de Junho de 1955, vítima de ataque cardíaco.
José Bandeira sofre idêntica condenação e morre, sem fortuna, em 9 de Junho de 1957. Adolfh Hennies fugiu para a Alemanha e reaparece mais tarde, sob o seu verdadeiro nome, Hans Döring e morre, sem fortuna, em 1957. Karel Marang foi preso e julgado na Holanda e condenado a 11 meses de prisão. Mais tarde naturaliza-se francês e morre, rico, em Cannes.
Conclusão
O escudo sofreu perturbações cambiais e perdeu muita credibilidade.
O Banco de Portugal ordenou a retirada de circulação de todas as notas de 500$00. Inicialmente por um período de 7 a 26 de Dezembro de 1925. Nestes 20 dias deixaram de circular 115 mil notas, legítimas ou não. Em Abril de 1932, o Banco de Portugal determinou que fossem abonadas aos portadores de reconhecida boa-fé as notas de 500$00 (…), quer sejam autênticas, quer façam parte das que foram entregues por Waterlow & Sons a Marang e seus cúmplices, implicando um enorme prejuízo para banco central.
Apenas um pequeno grupo de notas (a que se veio a chamar notas camarão) foram recusadas. Estas notas tinham sido banhadas com uma solução de ácido cítrico para lhes retirar o cheiro a tinta fresca, resultando daí uma ligeira descoloração rosada semelhante àquele marisco.
De acordo com a lei portuguesa, as notas retiradas de circulação em 1925 puderam ser trocadas até 1955. Esta prescrição não era relevante pois o valor facial destas notas (verdadeiras ou falsas), a partir dos anos 50 passou a ser muito superior. Em 27 de Outubro de 2005, uma das notas falsas de Alves dos Reis, foi a leilão com base de licitação de 6.500,00€ (1.303.000$00).
Esta fraude criou uma enorme desconfiança da população em relação aos poderes públicos. Embora fossem complexos os desenvolvimentos desse período, essa crise terá facilitado a revolução de 28 de Maio de 1926, que derrubou o presidente da República Bernardino Machado e deu origem à ditadura e ao Estado Novo de Salazar, a partir de 1932.
A Waterlow & Sons Limited foi processada nos tribunais de Londres, pelo Banco de Portugal. Foi um dos casos mais complexos da história judiciária inglesa até então. O Sr. William Waterlow foi demitido da empresa, em Julho de 1925. O caso foi resolvido em 28 de Abril de 1932, tendo a Waterlow & Sons sido condenada a indemnizar o Banco de Portugal, acabando falida.
No ano 2000, a história de Alves dos Reis foi adaptada para TV, por Francisco Moita Flores e apresentada como mini-série pela RTP.

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