Segundo Epicuro (341aC – 270aC) a morte não é nada,
pois todo o bem e todo o mal têm por objeto a sensação e a morte é a sua
privação. A perceção de que a morte não é nada, torna agradável a mortalidade da
vida, retirando-lhe uma duração infinita e acabando com a sofreguidão da
imortalidade, pois o que há de medonho na vida é não compreender que se tem de
morrer. A morte só pode ser dolorosa pela sua antecipação, visto que “o que não traz qualquer problema quando
chega em antecipação não passa de uma dor vazia”, de modo que o mais
aterrorizador dos males, a morte, durante a nossa existência não está connosco,
nada é para nós e, quando chega, nós não existimos. A morte não conta nem para
os vivos nem para os mortos, dado que para os primeiros não é nada, e os
segundos nada são.
A morte, apesar da sua inevitabilidade, é algo que
ninguém quer. Qualquer um de nós augura para si uma vida o mais longa possível,
e só perante casos extremos de desespero escolhe terminar com a vida.
Será possível habituarmo-nos à ideia de que a morte
não é nada para nós? Será possível esquecermos que mais cedo ou mais tarde imos
morrer? Todos nós sabemos que a morte um dia chegará, e não é por sabermos que
temos o seu cutelo pendente sobre a cabeça que a nossa vida se torna
num inferno. É a nossa vivência que nos faz tornar a vida aprazível ao esforçarmo-nos
por viver o mais longamente possível, em paz e felicidade. O que dá sentido à
nossa existência é o facto de sermos mortais.
Por isso a
morte não é necessariamente um mal, pois uma vida sem fim conduzir-nos-ia a um
estado de saturação, de tédio, aborrecimento, indiferença e frieza. Ao fim de
um certo tempo já não haveria experiências novas, tudo seria repetitivo,
enfadonho. Só a contínua busca de algo de novo dá sentido à vida e quando esta
deixa de ter sentido, quando já nada nos impressiona e as sensações
desaparecem, talvez a morte seja um bem. A busca da perfeição constante não
estará ao alcance de todos e a eternidade seria, para muitos, entediante.
Sócrates (469aC - 399aC) aponta outras razões para crer que a morte é
um bem. Aquele que morre fica reduzido a nada e não tem consciência do que quer
que seja, ou, crendo no que se diz, a morte é a libertação da alma do corpo
para outro lugar.
Se a morte é o fim de toda a sensação e se parece com
aqueles sonos em que nada vemos, mesmo em sonho, “morrer é então um maravilhoso lucro”. Segundo Sócrates, se
comparássemos uma dessas noites às outras noites e aos outros dias da nossa
vida, e se tivéssemos de dizer quantos dias e noites vivemos melhores e mais
agradáveis que essa noite, qualquer simples mortal acharia que eles eram fáceis
de contar em relação a outros dias e outras noites, e defende que a morte é um
ganho se for algo de semelhante, pois que a inteira sucessão dos tempos não
parecerá mais que uma só noite.
Mas, se a morte for a passagem deste para outro
lugar. Um lugar onde todos os mortos se encontrarão reunidos, questiona se
poderemos imaginar melhor bem! Se não valeria a pena tal viagem para nos
encontrarmos com os verdadeiros juízes, aqueles que lá fazem justiça, com os
poetas e com todos os semideuses que foram justos toda a sua vida.
Pergunta Sócrates: “a que preço não compraríeis tal ventura?”. Por ele, aceitaria
morrer vezes sem conta, se o que se conta for verdade.
A palavra «salvação» designa antes de mais o efeito
de “salvar ou salvar-se”, “tirar ou livrar de um perigo”, “livrar da morte”, “redenção”. As religiões tentam responder às questões que ela
levanta pretendendo ajudar-nos, sob a mais diversas formas, a escapar da morte
prometendo-nos a vida eterna, assegurando que um dia encontraremos aqueles que
amamos – avós, pais, irmãos, maridos ou esposas, filhos, netos ou amigos – de
quem fatalmente seremos separados no fim da nossa existência neste mundo.
Uma passagem do Evangelho Segundo S. João conta-nos a
experiência de Jesus perante a morte do seu amigo Lázaro. Como qualquer de nós,
Ele vive o tormento suscitado pela separação, mas, ao contrário de nós, simples
mortais, Ele tem o poder de ressuscitar o seu amigo e utiliza-o para provar que
o amor é mais forte que a morte. É este o essencial da mensagem da doutrina
cristã da salvação: para aqueles que amam e têm fé na palavra de Cristo, a
morte não passa de uma aparência, de uma passagem. Pelo amor e pela fé podemos
alcançar a imortalidade, o que dá bastante jeito pois, acima de tudo, o que
desejamos é não ficarmos sozinhos, não sermos separados daqueles que nos são
chegados, sermos compreendidos e amados, não morrermos e que eles não morram
também. Contudo, mais cedo ou mais tarde, a realidade contraria as nossas
expectativas, mas é acreditando num deus que muitos procuram a salvação e as
religiões asseguram-nos isso. E porque não acreditar, se temos fé?
Porém, para aqueles que duvidam da veracidade das
promessas religiosas, o problema mantém-se, tanto mais que a morte não é uma
realidade assim tão simples como em geral pensamos. Não se resume ao «fim da vida», ao ocaso da nossa
existência. Alguns sábios da Antiguidade diziam que não devemos pensar na morte
visto que das duas, uma: ou estou vivo e a morte não está presente, ou está
presente e já não estou cá para me preocupar! Por que motivo preocuparmo-nos
com um problema inútil?
Parece ser um raciocínio bastante simples, pois a
morte tem diferentes rostos “cuja
presença é paradoxalmente bastante percetível no coração da vida mais viva”.
A morte designa tudo o que pertence à ordem do «nunca mais», o que passou e já não volta. É, no centro da vida, no
que ao passado diz respeito, o que nunca mais poderemos encontrar: a infância, a escola, as férias, as casas que tivemos de abandonar, os familiares e
amigos que deixamos para sempre, ou de muitas coisas mais; tudo o que é da
ordem do «nunca mais», mesmo que não
signifique o desaparecimento de um ente querido, pertence ao registo da morte.
Neste sentido, a morte está longe de ser simplesmente
o fim da vida biológica, é parte da nossa existência.
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