sábado, 25 de junho de 2016

“A morte é a possibilidade da impossibilidade de toda e qualquer possibilidade” (Heidegger)

Segundo Epicuro (341aC – 270aC) a morte não é nada, pois todo o bem e todo o mal têm por objeto a sensação e a morte é a sua privação. A perceção de que a morte não é nada, torna agradável a mortalidade da vida, retirando-lhe uma duração infinita e acabando com a sofreguidão da imortalidade, pois o que há de medonho na vida é não compreender que se tem de morrer. A morte só pode ser dolorosa pela sua antecipação, visto que “o que não traz qualquer problema quando chega em antecipação não passa de uma dor vazia”, de modo que o mais aterrorizador dos males, a morte, durante a nossa existência não está connosco, nada é para nós e, quando chega, nós não existimos. A morte não conta nem para os vivos nem para os mortos, dado que para os primeiros não é nada, e os segundos nada são.
A morte, apesar da sua inevitabilidade, é algo que ninguém quer. Qualquer um de nós augura para si uma vida o mais longa possível, e só perante casos extremos de desespero escolhe terminar com a vida.
Será possível habituarmo-nos à ideia de que a morte não é nada para nós? Será possível esquecermos que mais cedo ou mais tarde imos morrer? Todos nós sabemos que a morte um dia chegará, e não é por sabermos que temos o seu cutelo pendente sobre a cabeça que a nossa vida se torna num inferno. É a nossa vivência que nos faz tornar a vida aprazível ao esforçarmo-nos por viver o mais longamente possível, em paz e felicidade. O que dá sentido à nossa existência é o facto de sermos mortais.
Por isso a morte não é necessariamente um mal, pois uma vida sem fim conduzir-nos-ia a um estado de saturação, de tédio, aborrecimento, indiferença e frieza. Ao fim de um certo tempo já não haveria experiências novas, tudo seria repetitivo, enfadonho. Só a contínua busca de algo de novo dá sentido à vida e quando esta deixa de ter sentido, quando já nada nos impressiona e as sensações desaparecem, talvez a morte seja um bem. A busca da perfeição constante não estará ao alcance de todos e a eternidade seria, para muitos, entediante.
Sócrates (469aC - 399aC) aponta outras razões para crer que a morte é um bem. Aquele que morre fica reduzido a nada e não tem consciência do que quer que seja, ou, crendo no que se diz, a morte é a libertação da alma do corpo para outro lugar.
Se a morte é o fim de toda a sensação e se parece com aqueles sonos em que nada vemos, mesmo em sonho, “morrer é então um maravilhoso lucro”. Segundo Sócrates, se comparássemos uma dessas noites às outras noites e aos outros dias da nossa vida, e se tivéssemos de dizer quantos dias e noites vivemos melhores e mais agradáveis que essa noite, qualquer simples mortal acharia que eles eram fáceis de contar em relação a outros dias e outras noites, e defende que a morte é um ganho se for algo de semelhante, pois que a inteira sucessão dos tempos não parecerá mais que uma só noite.
Mas, se a morte for a passagem deste para outro lugar. Um lugar onde todos os mortos se encontrarão reunidos, questiona se poderemos imaginar melhor bem! Se não valeria a pena tal viagem para nos encontrarmos com os verdadeiros juízes, aqueles que lá fazem justiça, com os poetas e com todos os semideuses que foram justos toda a sua vida.
Pergunta Sócrates: “a que preço não compraríeis tal ventura?”. Por ele, aceitaria morrer vezes sem conta, se o que se conta for verdade.
A palavra «salvação» designa antes de mais o efeito de “salvar ou salvar-se”, “tirar ou livrar de um perigo”, “livrar da morte”, “redenção”. As religiões tentam responder às questões que ela levanta pretendendo ajudar-nos, sob a mais diversas formas, a escapar da morte prometendo-nos a vida eterna, assegurando que um dia encontraremos aqueles que amamos – avós, pais, irmãos, maridos ou esposas, filhos, netos ou amigos – de quem fatalmente seremos separados no fim da nossa existência neste mundo.
Uma passagem do Evangelho Segundo S. João conta-nos a experiência de Jesus perante a morte do seu amigo Lázaro. Como qualquer de nós, Ele vive o tormento suscitado pela separação, mas, ao contrário de nós, simples mortais, Ele tem o poder de ressuscitar o seu amigo e utiliza-o para provar que o amor é mais forte que a morte. É este o essencial da mensagem da doutrina cristã da salvação: para aqueles que amam e têm fé na palavra de Cristo, a morte não passa de uma aparência, de uma passagem. Pelo amor e pela fé podemos alcançar a imortalidade, o que dá bastante jeito pois, acima de tudo, o que desejamos é não ficarmos sozinhos, não sermos separados daqueles que nos são chegados, sermos compreendidos e amados, não morrermos e que eles não morram também. Contudo, mais cedo ou mais tarde, a realidade contraria as nossas expectativas, mas é acreditando num deus que muitos procuram a salvação e as religiões asseguram-nos isso. E porque não acreditar, se temos fé?
Porém, para aqueles que duvidam da veracidade das promessas religiosas, o problema mantém-se, tanto mais que a morte não é uma realidade assim tão simples como em geral pensamos. Não se resume ao «fim da vida», ao ocaso da nossa existência. Alguns sábios da Antiguidade diziam que não devemos pensar na morte visto que das duas, uma: ou estou vivo e a morte não está presente, ou está presente e já não estou cá para me preocupar! Por que motivo preocuparmo-nos com um problema inútil?
Parece ser um raciocínio bastante simples, pois a morte tem diferentes rostos “cuja presença é paradoxalmente bastante percetível no coração da vida mais viva”. A morte designa tudo o que pertence à ordem do «nunca mais», o que passou e já não volta. É, no centro da vida, no que ao passado diz respeito, o que nunca mais poderemos encontrar: a infância, escola, as férias, as casas que tivemos de abandonar, os familiares e amigos que deixamos para sempre, ou de muitas coisas mais; tudo o que é da ordem do «nunca mais», mesmo que não signifique o desaparecimento de um ente querido, pertence ao registo da morte.
Neste sentido, a morte está longe de ser simplesmente o fim da vida biológica, é parte da nossa existência.

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