quarta-feira, 10 de junho de 2015

Dia de Portugal


O dia 10 de junho, dia que assinala a morte de Luís Vaz de Camões, é o dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas. A partir de 1933, com a instauração do Estado Novo, esta data foi particularmente exaltada. O dia 10 de junho era o dia da elevação nacionalista, de comemoração histórica e propagandística, numa homenagem às Forças Armadas e engrandecimento da guerra e poder colonial, tendo sido celebrado como o Dia da Raça - a raça portuguesa. Foi a partir de 1978 que as comemorações do 10 de junho passaram a ter a designação atual.
Como modesta contribuição para as celebrações deste dia, aqui deixo a minha apreciação crítica a um filme, de há muitas décadas atrás, sobre a vida do grande poeta:
Partindo do pouco que se sabe acerca da sua existência, o filme «Camões» pretende recriar a vida errante de Luís de Camões, o poeta épico, um dos maiores, senão o maior vulto da literatura portuguesa, que desde os seus tempos de irreverente estudante em Coimbra, fruto do seu carácter de homem boémio, desenvolto e da sua veia poética, se terá envolvido em aventuras amorosas, suscitando rivalidades e invejas, sendo alvo de intrigas e ciladas, continuadas mais tarde entre os frequentadores da corte de D. João III, em Lisboa.
O momento da realização deste filme (1946) é por si uma condicionante à sua apreciação. De facto, não nos podemos abstrair que a liberdade de expressão era fortemente condicionada naquela época. A própria ficha técnica nos diz que os diálogos foram revistos e o filme foi considerado de “utilidade pública pelo governo português e patrocinado pelos serviços oficiais”, não escapando, como acontecia a tudo o que era do domínio público, ao lápis da censura.
Apesar disso, a criatividade artística encontra sempre meios para contornar as vicissitudes e, sub-repticiamente, introduzir críticas ao regime que a censura, por uma ou outra razão, deixa escapar. É o caso, na minha opinião, da cena no colégio em Coimbra onde os alunos recitam, depois do mestre: “a lei determina os atos que são próprios da virtude e da fortaleza bem como os da temperança e da mansidão, intervém em toda a virtude e toda a malícia, preceituando aquela e proibindo esta”, enquanto uma música ao longe insinua a perturbação de tão profícua aula a tão profícuos alunos, que logo a atribuem ao «trinca-fortes» e à sua malta de brigões. «Trinca-fortes» que não é nem mais nem menos que Luís de Camões.

domingo, 7 de junho de 2015

Memorial do Convento – As relações laborais da época e as atuais

O Memorial do Convento, como as obras de José Saramago que li, é um documento que pretende guardar, para a memória dos povos, o sofrimento e os atos heroicos do povo anónimo, a mole humana que sempre tem sido suporte, a base, para que outras personagens se possam lançar em grandes feitos e se reclamem depois, eles, os seus únicos autores.
Servir e ser servido sempre será uma necessidade presente no quotidiano do ser humano. Ninguém é autónomo e cada um de nós precisa do apoio do seu semelhante. Porém, a exploração é um fator que está sempre presente nas relações humanas e essa terá sido uma das razões por que a humanidade, na sua evolução, tenha criado as classes sociais.
Assim, pelas suas capacidades físicas e intelectuais, se evidenciam mais uns em detrimento de outros e se extremam posições, havendo uns que se apoderam de mais recursos e outros que cada vez os têm a menos, acabando aqueles por dominar estes e, à medida que se avança no tempo, reduz-se o número dos que têm mais e engrossam as fileiras dos que têm menos.
Ontem como hoje, são as classes dominantes que ditam as leis e essas classes são, naturalmente, as mais ricas, as que têm mais recursos. Embora na atualidade vivamos em democracia e as leis que nos regem procurem fazer com que as relações entre os cidadãos se pautem pela igualdade, todos nós sabemos que um cidadão pobre, sem recursos, é vulnerável e frequentemente vítima de injustiças, tem poucas possibilidades de se defender na justiça e que, para sobreviver, tem como único recurso a sua força de trabalho que submete ao arbítrio de quem lhe der o pão a ganhar.

quarta-feira, 3 de junho de 2015

Memorial do Convento - As preocupações da classe dominante, do povo e o papel das mulheres na sociedade daquela época


Na narrativa do Memorial do Convento estão representadas três classes sociais: a nobreza, o clero e o povo.
Ao longo do desenrolar da ação, o autor usa o tom irónico, por vezes sarcástico, para caracterizar a nobreza e o clero, este que se acoita à sombra daquele, ambos tirando benefício desta união. Enquanto a nobreza exercia o poder material, personificado no seu rei, o clero exercia o poder espiritual, representando o poder divino. O povo, na obra representado principalmente por Baltasar, Blimunda e por aquela massa humana de homens que levantaram o convento, tem, por parte do narrador, um tratamento de favor ao ser elevado ao estatuto de herói anónimo e quase sempre esquecido. Um povo oprimido, mantido na ignorância para ser mais manobrável e ao mesmo tempo manobrador, mantido na miséria, submetido aos caprichos dos seus senhores e aos ditames da Inquisição, e tudo isto por temer a Deus.
Eram estas as preocupações das classes dominantes – manter o povo na ignorância retirando-lhe capacidades de organização e reivindicação e, deste modo, manobrável e submisso aos seus caprichos e fantasias. A um povo ignorante, educado no temor a Deus e convencido de que para se alcançar a felicidade eterna são precisos sacrifícios terrenos, poucas aspirações lhe restam do que aceitar de bom grado as graças que Deus, o clero e os poderosos lhe concedem e ir porfiando para que não morra de fome.
Numa sociedade como aquela que é retratada em Memorial do Convento, às mulheres do povo, para além dos cuidados no lar e com os filhos, sobrava ainda a missão de ajudar no sustento da casa, quer nos trabalhos agrícolas, quer noutras tarefas que se proporcionavam, em especial nos centros urbanos. Já as senhoras das classes nobres, devido ao fervor religioso da época, matavam a ociosidade com rezas, missas, novenas e peregrinações de igreja em igreja, de convento em convento, não sei se convencidas de que era esse o caminho que as levaria a Deus, se para se distraírem ou mesmo se convencidas das duas coisas ou ainda, quem o saberia, se com outras intenções, como o autor sugere. Uma coisa parece inegável: as mulheres deviam submeter-se ao homem, satisfazer os seus desejos de luxúria e procriar. E isto era transversal a todas as sociedades – à nobreza e ao povo –, o clero, é claro, também aproveitava, no que à luxúria diz respeito.
Memorial do Convento, um livro para ler e pensar.