A resistência passiva, foi
comummente identificada durante algum tempo com a não-violência, deixando de
ser usada progressivamente pois parecia acentuar em demasia uma atitude
defensiva e reativa. Apesar das muitas ambiguidades do termo, começou a
utilizar-se preferencialmente a noção de não-violência ativa, no sentido em que
foi proposta e praticada, entre outros, por Mahtma Ghandi (1869-1948), que nela procurava a
convivência entre a mensagem evangélica e as tradições religiosas hindus e
budistas.
A doutrina da não-violência (Ahimsá),
integra-se na Satyagraha, ou a
doutrina de Adesão à Verdade, cujos três pilares são: a busca da verdade; a não-violência e a livre aceitação do sofrimento.
Portanto, a não-violência ativa está ligada à procura da verdade e à aceitação
do sofrimento que esta via comporta.
A melhor forma de desarmar o inimigo é ganhá-lo noutro plano, como
semelhante, pela não-violência. Embora difícil, é uma proposta individualmente
viável, mas quando a política é entendida como a manutenção das lógicas de
dominação-submissão ao invés do fomento da liberdade e da responsabilidade, é
social e politicamente de muito difícil aplicação. Mas é importante dizer que é
possível, que tem probabilidades, que não é utopia.
Mas quais os limites da não-violência? Como chegar até à inconsciência
do irracional, do intolerável, da maldade, da baixeza, da injustiça humana?
A violência é a reação sempre mais fácil, pelo que a proposta de
não-violência vai ao arrepio dos impulsos que nos atravessam, exigindo de nós
uma mudança de consciência e uma ousadia experimental. A não-violência como
prática continuada é uma atitude muito difícil e, em situações limite e perante
os nossos deveres de proteção dos outros, parece não deixar alternativa.
A violência leva ao ódio, e odiar o outro é mantê-lo como inimigo. Responder
ao ódio do outro é dar-lhe legitimação. É necessário privar de força e meios
esse ódio e criar condições para a mudança de atitude, para que possa haver o
perdão e acabar com o ciclo infernal de vingança. “A única maneira de acabar
com o inimigo é querer-lhe bem”.
O ódio de morte ao outro é, antes de mais, uma maldição que nos destrói.
A não-violência e o perdão libertam as energias da alma para o bem, para a
construção de um mundo mais justo.
A não-violência ativa já provou ser eficaz como forma de luta pela
justiça. Veja-se a libertação da Índia e o reconhecimento dos direitos civis
dos negros, nos Estados Unidos (M. Luther King 1929-1968). Assim, individualmente, mas
sem dúvida socialmente, a prática da não-violência deve ser sempre uma procura
pela justiça. Não pode haver paz sem justiça. Se a causa não for justa. Se não
houver uma razão própria independente dos pontos de vista em jogo, esta forma
de pressão e reivindicação não só é uma fraude, como pode ser perigosa levando
ao descrédito os meios não-violentos de resolução de conflitos. Não se é
não-violento por se ser incapaz de violência, antes pelo contrário, não se pode
ser praticante da não-violência por interesse, por medo ou cobardia.
Momentos houve em que a consciência da inutilidade da guerra e da
violência, de que algo de irreparável ficou pelo caminho, chegou tarde, como é
exemplo o impasse a que chegaram as relações israelo-palestinianas no início
deste milénio.
A não-violência exige um aprofundamento prévio, é uma decisão íntima,
mas radical, pela não-violência ativa, aquela que se exerce num quadro de
reivindicação pública de direitos. É algo que é preciso recomeçar sempre
inteiramente de novo e assumi-lo nas situações que são o ambiente natural do
nosso dia-a-dia: na família, na escola, no trabalho, nos média, etc. São estes
os ambientes, por vezes intensamente violentos, propícios à experimentação da
não-violência. E neste sentido de decisão interior a tarefa da não-violência
jamais está terminada.
Dizia Mahatma Gandhi que a não-violência era uma ciência experimental.
De nada vale pensar ou escrever sobre a não-violência, se não nos decidirmos a
experimentar, a conceder-lhe uma hipótese, a dar-lhe um sentido concreto.
Quem pensar que
já alcançou um estádio de recusa absoluta da violência, ignora-se a si mesmo. O
defensor da não-violência trava combates diários consigo próprio, não recusa
apenas a força bruta como meio de resolução dos problemas, mas todas as formas
de violência, em especial aquelas mais apuradas e engenhosas.
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