«O
povoamento do território da freguesia remonta à conquista Cristã de Lisboa e
Sintra aos Mouros, em 1147, por D. Afonso Henriques. A primeira referência
conhecida surge nas inquirições Afonsinas de 1220.
No
século XII, “Agualva” e Cacém já eram povoadas. O curso da ribeira das Jardas
ou da Água Alva demarcavam então os limites administrativos e paroquiais.
Agualva e outros lugares da margem esquerda da Ribeira faziam parte da
freguesia de Belas, enquanto Cacém, São Marcos e outros lugares da margem
direita estavam integrados no termo de Sintra e faziam parte da freguesia de
Rio de Mouro.
Note-se
que Agualva, enquanto lugar da freguesia de Belas era lugar conhecido por
Jardo, o que levou o célebre Bispo de Lisboa, D. Domingos, por ter nascido ali,
a apelidar-se de Jardo.
Nos
séculos seguintes expandiu-se o povoamento e a ocupação do território com o
aparecimento de várias quintas solarengas (Quinta da Barroca, Quinta da
Fidalga, Quinta do Tojal, etc.). No final do séc. XVIII Agualva-Cacém teria
cerca de 450 habitantes e em meados do séc. XIX cerca de 500. A 3 de Junho de
1709 é dado alvará à feira de Agualva, uma das mais antigas da região saloia,
com o objetivo de manter a ermida de Nª. Sra. da Consolação.
Em
abril de 1887, com o estabelecimento da ligação ferroviária entre Lisboa e
Sintra, veio o desenvolvimento económico e o aumento demográfico. A ligação por
caminho-de-ferro marca, a partir daí, o destino de Agualva-Cacém, deixando para
trás tempos em que a ribeira das Jardas fertilizava as terras e movia as
azenhas, oferecendo-se aos banhos da miudagem, aos amantes da pesca e aos
piqueniques das famílias em férias. (…)» (https://www.jf-agualvamirasintra.pt/a-freguesia/origemhistoria/)
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Segundo
o Diccionario Geografico do padre Luís Cardoso, Agualva é «Lugar na
Província da Estremadura, Patriarcado de Lisboa e Termo da Cidade de Lisboa,
Comarca de Torres Vedras, Freguesia de Nossa Senhora de Misericórdia de Belas:
tem trinta e oito vizinhos com sua Ermida dedicada a N. Senhora da Consolação,
Imagem milagrosa e de muita romagem no mês de Maio. Há outra Ermida dedicada a
N. Senhora do Carmo, de José Ramos da Silva, Provedor da Casa da Moeda.»
Agualva
era, antigamente, um pequeno lugar chamado Jardo, ou Jarda, situado na margem
esquerda da Ribeira das Jardas, de águas puras e cristalinas, e, por isso,
supõe-se, os romanos lhe chamaram “Aqua Alba”, nome que, por corrupção, derivou
para Agualva.
No
que diz respeito ao topónimo ribeira da Jarda, ou Jardas, conta uma lenda que
após a conquista de Lisboa aos mouros, D. Afonso Henriques terá agraciado um
cruzado inglês pela sua participação nas lutas, recompensando-o com umas terras
atravessadas pela ribeira. O cruzado mediu-as utilizando a medida inglesa, a jarda,
admitindo-se que possa vir daí a denominação.
Esta
ribeira nasce a leste de Sintra, na Serra da Carregueira (Almornos) e vai
desaguar no Tejo, próximo de Oeiras (praia de Caxias), tomando diversos nomes, segundo
as povoações por onde passa, ao longo do seu percurso de cerca de vinte
quilómetros: das Jardas, da Jarda ou do Jardo, do Papel, de Barcarena, dos
Ossos, etc.
Ao
longo da história, a Ribeira das Jardas separou as povoações das suas margens.
Na margem esquerda Agualva e na margem direita o Cacém. Sendo já terras
cristãs, as povoações das duas margens continuaram divididas
administrativamente. De acordo com as memórias paroquiais de 1785, Agualva
pertencia à freguesia de Belas, enquanto que o Cacém pertencia à de Rio de
Mouro. Segundo uma lenda, o nome de Rio de Mouro se deve à bravura dum mouro de
nome Albaraque, que heroicamente se terá batido contra os cristãos e que tingiu
as águas do rio com o seu sangue, passando o sítio onde morreu a chamar-se Rio
de Mouro.
Em
Agualva, já na Idade Média e na margem da Ribeira das Jardas, se situavam duas
importantes quintas contíguas: a da Barroca e a quinta dos Loios, que ainda sem
esse nome se vai tornar célebre, por nela provavelmente ter nascido, no início
do século III, o famoso arcebispo de Lisboa, D. Domingos Jardo. As duas margens
desta ribeira eram aproveitadas para cultivo e foram povoadas, pelo menos a
partir do século XII, formando quintas, ou “quintãs”, no dizer de então. Nas
partes baixas eram as hortas e os pomares, e nas encostas os olivais. Para
rega, socorriam-se das fontes dos afluentes e de numerosas azenhas no rio. Os
primeiros moradores talvez tenham sido os mouros, fugidos de Lisboa para a
periferia e que povoaram e cultivaram as “terras saloias”.
As
duas povoações uniram-se numa única freguesia civil em 1953, passando a
denominar-se Agualva-Cacém, fazendo parte desta as povoações de São Marcos e
Mira Sintra.
Agualva-Cacém
constituía uma única paróquia, com sede na antiga capela de N. S. da Consolação
que, na sua primeira fundação, data do século XVI. Mais tarde, a partir desta
matriz foram criadas três circunscrições eclesiásticas: Agualva, Cacém e Mira
Sintra. O lugar de São Marcos pertenceu, até 1953, à freguesia e paróquia de
Rio de Mouro, passando para Agualva-Cacém, quando esta freguesia foi criada.
Ao
longo dos séculos, com o aparecimento de várias quintas, expandiu-se o
povoamento e a ocupação do território nas duas margens da Ribeira. No primeiro
quartel do século XVII, em resultado de uma petição a D. João V., feita pela
Irmandade de Nª Sª da Consolação de Agualva, é dado alvará à Feira de Agualva,
uma das mais antigas da região Saloia, com o objetivo de manter a ermida da
santa.
O
estabelecimento da ligação ferroviária entre Lisboa e Sintra, no último quartel
de século XIX, veio incrementar o desenvolvimento económico e o aumento
populacional. O caminho de ferro marca e destino de Agualva-Cacém, deixando
para trás os tempos em que a Ribeira das Jardas fertilizava as terras e movia
as azenhas. A freguesia transforma-se numa das áreas suburbanas da grande
Lisboa, dando origem a uma explosão ao nível da construção civil, traduzida
numa urbanização onde os níveis de qualidade de vida nem sempre foram tidos em
conta.
Elevada
a vila a 20 de setembro de 1985 e a cidade em 12 de julho de 2001, a antiga
freguesia de Agualva-Cacém foi administrativamente desdobrada em quatro
freguesias: Agualva, Cacém, Mira Sintra e São Marcos, no dia 3 do mesmo mês.
Após
a elevação a cidade, esta passou por vários projetos de beneficiação por parte
da Câmara Municipal de Sintra, mas principalmente por parte do Programa Polis
(Projeto para a requalificação das cidades europeias), com o objetivo da
valorização do património histórico ou natural e a sua reintegração na própria
cidade, o qual mudou radicalmente a estrutura central de Agualva-Cacém e melhorou
substancialmente o seu estatuto de cidade, que assim passou a dispor de um
parque urbano (Parque linear da Ribeira das Jardas).
Atualmente
a cidade do Cacém é constituída por duas freguesias, Agualva e Mira Sintra, e
Cacém e São Marcos, e é o reflexo de um dos mais progressivos centros urbanos
da área metropolitana de Lisboa e um dos maiores centros populacionais do país.
♗ D.
Domingos Anes Jardo
Foi
neste lugar, outrora chamado Jardo, ou Jarda, hoje conhecido com o nome de
Agualva, que nasceu o arcebispo D. Domingos Anes Jardo, que da sua terra adotou
o sobrenome de Jardo.
São
pouco conhecidas as origens familiares e sociais de D. Domingos Anes Jardo e
desconhece-se a data do seu nascimento. Há relatos em que se menciona as suas
origens humildes. O relato de um encontro emotivo do então bispo de Évora com
sua mãe, na sua aldeia de origem, parece realçar uma longa, embora distante,
proteção dispensada à sua família. Dados que perecem difíceis de confirmar,
assim como os dados sobre os primeiros anos da sua vida. É mencionada uma
lápide existente no mosteiro de S. Vicente, alusiva à sepultura de sua mãe e de
sua avó, onde constaria a data de 1286, e que poderia ser a data da
transladação dos corpos para o dito mosteiro, sendo já D. Domingos bispo de
Évora.
Acredita-se
também que D. Domingos Jardo tenha crescido à sombra e proteção de seu tio,
Martinho Miguéis, prior de S. Jorge de Coimbra, e que, dada a ligação do
mosteiro de S. Jorge à corte desde os reinados dos primeiros monarcas, se
explique a proximidade que D. Domingos parece protagonizar a D. Afonso III. De
facto, a partir do final do século XIII, o seu nome começa a ser referido na
documentação régia.
Muitas
das vezes a entrada de um clérigo, a quem o nascimento nobre não distinguia
particularmente nos círculos políticos régios, era feita através da influência
de um parente próximo, noutros casos o saber e a distinção demonstrada por uma
forma superior poderiam suprir a ausência de um enquadramento familiar. O
percurso de D. Domingos Jardo poderá ter beneficiado de vários destes fatores.
Estes
processos de ascensão social que parecem centrar-se, na sua maioria, em torno
das carreiras eclesiásticas, refletem, no contexto da sociedade medieval, o
papel da Igreja enquanto reguladora do espaço social e também, enquanto
instituição, o garante de alguma mobilidade social e, por conseguinte, a
estabilidade das hierarquias dominantes.
Uma
tradição pouco documentada, mas veiculada por diversos autores, colocam-no como
estudante na Universidade de Paris, para onde teria ido para ser formado em
Direito Canónico, mas também se afirma, com base na constante menção a um
Domingos Anes, identificado como cónego de Évora num testamento feito em
Salamanca, com a indicação do seu nome num grupo de eclesiásticos dados como
testemunhas do documento, que D. Domingos teria estudado em Salamanca.
Tendo
em conta a atração exercida pela Universidade de Salamanca sobre os escolares
de Portugal, é possível que que aí tenha efetuado os seus estudos, mas verdade
seja que poucos ou nenhuns são os dados que permitam afirmar que D. Domingos
Jardo tenha adquirido uma formação superior.
A
primeira referência relativa ao percurso eclesiástico de D. Domingos Anes,
indica que teria tido uma conezia (dignidade de cónego) na diocese eborense e,
pelo menos desde 1270, o seu nome faz parte de um grupo de clérigos do rei que
testemunham muita documentação de D. Afonso III. Em 1272 seria apresentado,
pela mão de Afonso III, para a igreja de Penas Róias, no Mogadouro.
O
título de clérigo do rei, que o acompanhou até ser nomeado bispo de Évora,
marcou não só o desempenho de funções específicas, mas atestava o favorecimento
de que era objeto por parte do rei e a existência de uma relação de dependência
do poder real. Apesar de não ser um estatuto exclusivo, face a um grupo
numeroso clérigos contabilizados ao longo do reinado, a verdade é que este
grupo ganhou centralidade e dimensão pela forma como surgem recorrentemente
como testemunhas ou confirmantes dos documentos régios exarados e, no
desempenho deste lugar, muitos deles irão encontrar uma plataforma para a posse
de outros benefícios.
Apesar
disso, os anos 70 do século XIII representaram um período muito conturbado nas
relações entre D. Afonso III e o clero secular. A partida para a Cúria, com
exceção dos bispos de Lisboa e Évora, da maior parte dos bispos portugueses, em
1267, vai dar início a uma longa fase de conflito, marcada com momentos de
maior ou menor oposição e acompanhada, por um longo período, do interdito
(excomunhão) ao qual o reino ficou sujeito. Ainda assim, neste contexto de
oposição, D. Domingos Anes Jardo continuará a surgir em muitos documentos como
testemunha e será uma presença atenta em muitos dos momentos que irão marcar
essa época.
A
vinda a Portugal de frei Nicolau, como enviado do papa João XXI, incumbido de
tentar resolver o conflito entre D. Afonso III e os bispos, é um dos momentos
melhor documentados. Frei Nicolau foi presença assídua na corte entre os
primeiros meses de 1277 e agosto do mesmo ano. As atas desta legacia constituem
documento chave para o conhecimento de Afonso III e, também, basilares para a
análise política no relacionamento com a Igreja. O resultado dos inúmeros
encontros entre o legado papal e o rei ficaram muito aquém do que seriam as
pretensões da Igreja, como ficaram igualmente aquém das pretensões que o
monarca pretendia obter.
Estes
encontros eram presenciados por um numeroso grupo de nobres e de clérigos,
entre os quais D. Domingos, cujos nomes vêm mencionados nas atas. O então
clérigo e conselheiro do rei, identificado como tal nesta documentação dos anos
finais de D. Afonso III, revela uma crescente proximidade ao rei, testemunhando
alguns dos momentos de maior confronto entre o monarca e o enviado do papa, nos
quais a afirmação do poder régio, quer pela via do adiamento estratégico das
resoluções, quer pela recusa em dialogar, se impõe. E se a presença,
aparentemente incontestável, junto ao monarca, parece colocá-lo do lado oposto
dos prelados exilados em Roma, a dureza e ferocidade que perpassam pelo relato
do legado do papa não terão sido estranhas nem indiferentes ao clérigo que se
formava ao serviço do rei.
Surpreende-o
a morte de D. Afonso III e é com estatuto de conselheiro que terá feito parte
do grupo de eclesiásticos que acompanharam o monarca na última fase da sua
vida, tendo estado presente ao arrependimento do rei e à exortação feita a D.
Dinis para que cumprisse as suas últimas disposições em relação à Igreja,
explicando a aparente continuidade de carreira que ultrapassa a mudança de
reinado e encontra clara e pacífica sequência nos primeiros anos do reinado de
D. Dinis.
Contrariamente
à opinião de alguns autores, D. Domingos Jardo terá sido nomeado chanceler, mas
apenas em 1281, e manteve este título até cerca de 1290/91, aliás, em 1284, D.
Dinis reitera a doação já feita da chancelaria, com o objetivo de que não
surgissem dúvidas sobre a posse legitima desse lugar e aproveita esta
confirmação para acentuar que lhe dá igualmente a posse de todos préstamos
(impostos) ligados à chancelaria, à semelhança do que tinha sido detido pelo
chanceler de D. Afonso III.
Em
1284 D. Domingos Anes Jardo foi escolhido para a diocese de Évora e aí
permaneceu até 1289. Em outubro deste ano é requerido pelo cabido de Lisboa,
numa eleição disputada com D. Pedro, cónego de Coimbra. D. Domingos tem agora o
favor do papa, que o transfere para a diocese de Lisboa (7 de outubro), onde
permaneceu até à sua morte, enquanto o seu opositor, D. Pedro, é nomeado para
Évora.
Com
esta transferência o papa fechava um ciclo na vida de D. Domingos Anes Jardo,
assegurando-lhe o lugar de prelado numa diocese que já no início dos anos 80
tinha procurado sem sucesso após a morte de D. Mateus (1282). Em maio de 1286,
o papa Honório IV tinha preferido Estevão de Vasconcelos, deão (o que preside
ao cabido) de Braga e capelão pontifício, acabando D. Domingos por assumir o
bispado de Évora.
Pelo
meio tinham ficado algumas disputas, ou pelo menos expetativas, por parte de D.
Domingos. Possivelmente eleito nos últimos meses de 1282 ou primeiros meses de
1283, em dezembro deste último ano, D. Domingos é identificado na chancelaria
régia como bispo eleito de Lisboa, pelo menos entre fevereiro de 1283 e janeiro
de 1284.
Estas
referências na chancelaria revelam o normal e quase sempre longo processo de
confirmação papal e a aparente concordância do rei com esta eleição. D. Dinis
veria com bons olhos a eleição do seu chanceler para bispo de Lisboa, pois esta
escolha seria a consagração de uma carreira eclesiástica junto do poder régio,
colocando no comando da estrutura diocesana alguém em quem devia
inevitavelmente confiar.
Porém
a decisão inicial da papa não foi neste sentido. A morte do bispo de Lisboa, D.
Mateus, aconteceu em 1282, e só em 1286 o papa Honório IV nomeia para o lugar
vago D. Estevão Anes de Vasconcelos, deão de Braga e capelão pontifício,
ficando D. Domingos em Évora, como se diz atrás.
Na
nomeação de D. Estevão, o papa refere uma reserva feita pelo anterior
pontífice, Martinho IV, pelo facto de D. Mateus ter falecido na Cúria,
legitimando assim a sua decisão. Com esta nomeação talvez o papa tenha
preferido favorecer alguém com carreira ou proximidade a Roma, como o seu
título de capelão revelava, assim como é possível entrever nesta escolha a
influência do ambiente toldado pela dissensão (desavença) que continuava a
marcar as relações do poder régio com o clero e com Roma desde 1267, com a
saída da maior parte dos bispos portugueses para a Cúria e a intenção de não
colocar em dioceses centrais eclesiásticos cuja lealdade se antevia mais em
função do rei do que da cúria. O facto de nesta nomeação não ter sido enviada
ao rei a usual carta da recomendação dos novos bispos, e que acompanhava as
missivas dirigidas ao cabido e à diocese, demonstra a animosidade existente nas
relações entre a realeza de Portugal e o papado e como o papa procurava
pressionar D. Dinis a avançar com o processo de conciliação.
Qualquer
que fosse a razão, a verdade é que a partir de 1284 D. Domingos surge como
bispo de Évora e o bispado de Lisboa permanece vago. É de 24 de junho, o
primeiro documento régio que o refere como eleito de Évora, embora a sua
nomeação seja de 24 de março de 1285 (estaria eleito desde 17 de junho de
1284). A acreditar nestas datas, a chancelaria régia, sob o comando do próprio
D. Domingos, não tardou muito a reconhecer o estatuto de eleito de Évora.
Caberá precisar que entre a morte do anterior bispo (D. Durando) e a eleição de
D. Domingos há um hiato de mais de um ano, tempo decorrente dos trâmites
processuais que teriam lugar nesta diocese e sobre os quais pouco se sabe.
Foi
um afastamento provisório para D. Domingos Anes Jardo. Nos últimos anos da sua
vida viria de novo a conflituar sobre o acesso ao episcopado de Lisboa, mas
desta vez com sucesso. Feito bispo de Lisboa em 1289, veio a morrer em 16 de
dezembro de 1293.
D.
Domingos Jardo instituía, em abril de 1291, o hospital dos santos Paulo, Elói e
Clemente, na freguesia de S. Bartolomeu (a), em
Lisboa, determinando a manutenção de seis estudantes pobres: dois de Direito e
Teologia, quatro de Gramática, Lógica, Filosofia Natural e Medicina. O
documento de instituição, à semelhança de outros da época, dispunha com
pormenor a organização interna do hospital, as refeições e a roupa que deveria
ser entregue a cada um dos moradores no hospital, tem sido objeto de uma
particular atenção, dada a sua ligação à história da Universidade em
Portugal.
Esta
instituição não terá sido a única ou a que originalmente terá feito nas suas
casas situadas na freguesia de S. Bartolomeu. Em agosto de 1284 D. Dinis emitia
uma carta de proteção ao hospital criado por D. Domingos nas suas casas de
Lisboa, em honra de Santa Maria, mãe do Salvador e de Todos os Santos. Mais
tarde, em junho de 1285, retornava o rei ao hospital fundado por D. Domingos,
mencionando que a sua fundação tinha sido feita por alma de seu pai, D. Afonso
III, da sua e da do bispo, pelo que o autorizava a comprar bens destinados ao
hospital, contornando as leis de desamortização, e em 1286 doava ao hospital,
fundado por alma de seu pai, o padroado da igreja de S. Bartolomeu. Tudo isto
aponta para a existência, já em fins da década de 80, de um hospital fundado
por D. Domingos Jardo.
Em
novembro 1288, era solicitado ao papa Nicolau IV, por um grupo de
eclesiásticos, autorização para a utilização das rendas dos mosteiros e igrejas
no pagamento dos mestres e doutores que viessem a fazer parte do Estudo
Geral a ser criado por D. Dinis, a pedido deste mesmo grupo. Esta
autorização foi concedida em 1290 pela bula De Statu Regni Portugaliæ,
autorizava a criação do Estudo Geral e definia os graus que podiam ser
concedidos.
É
na sequência desta bula que o hospital, anteriormente fundado por D. Domingos,
sofre uma assinalável alteração. Invocando a memória de D. Afonso III, a
proteção de D. Dinis e procurando responder às preocupações do papa no sentido
de ser concedido apoio aos estudantes, D. Domingos Jardo estabelece, em abril
de 1291, a obrigatoriedade do apoio a seis estudantes de diferentes áreas e
muda o seu orago, dedicando-o aos santos Paulo, Elói, Clemente e a Todos os
Santos, doa todos os seus bens à hora da morte e estabelece as condições que
devem reger o seu funcionamento. Assim, dedicou 200 libras anuais à manutenção
dos seis estudantes pobres, embora de forma desigual; a cada dois estudantes de
Direito e Teologia caberia 50 libras e a cada um dos restantes quatro
estudantes, 25 libras anuais, pelo prazo máximo de cinco anos. Com estes seis
estudantes deveriam ainda viver dez sacerdotes encarregues da celebração diária
e outros tantos pobres. Finalmente definiu a entrega da administração do
hospital a Afonso Anes, cónego de Évora, o qual viria também a nomear, alguns
meses mais tarde, como seu testamenteiro, evidenciando entre ambos uma
proximidade e confiança significativas.
Referenciado
como um dos primeiros exemplos de uma fundação dedicada ao apoio de estudantes
pobres, este hospital beneficiaria nos anos seguintes do apoio papal, como
patenteia a bula de Bonifácio VIII (1294-1303) de 1295, que aprova a
instituição com a obrigação de manter os seis estudantes pobres, autorizados a
pregar e a ouvirem confissões.
O
próprio D. Domingos, como bispo de Lisboa, privilegia o hospital, ao qual tinha
entregue todos os seus bens antes de ser nomeado como bispo de Évora e de
Lisboa, em outubro de 1293, data próxima da sua morte, identificando-o como
hospital e mosteiro, e autorizava os estudantes residentes a pregarem e a
ouvirem confissões em toda a diocese, realçando que a outorga deste privilégio
não implicava a revogação da anterior dádiva de 200 libras para a sua
manutenção.
Antes
da sua morte, D. Domingos Anes Jardo preocupou-se com a preservação da sua
memória e com o destino da sua alma. O testamento, redigido em 1291, reflete
claramente essas preocupações.
Nele
dispõe de todos os seus bens de raiz que possuía antes de ser bispo de Lisboa
em favor do hospital por ele fundado, fazendo seus herdeiros os pobres, os
clérigos e leigos que nele habitassem. Escolhe esta instituição como lugar da
sua sepultura, como depositária de todos os seus livros, que mereceram
particular atenção por parte do testador. Assim, o que mencionava serem os seus
livros de Direito Canónico e Civil bem como todas as súmulas, doa a dois
parentes: Martim Mateus e Afonso Martins, com a condição de usufruírem deles
apenas em vida, retornando ao hospital após as suas mortes. Supõe-se que estes
dois parentes estivessem ligados ao ensino de Direito como estudantes. Um outro
grupo de livros de Teologia, oriundos da Livraria de D. Durando, seu antecessor
em Évora, foi doado diretamente ao hospital. Esta última doação é reveladora
dos possíveis laços existentes entre estes dois eclesiásticos, bispos de Évora,
talvez forjados ou reforçados nos meandros do serviço régio, dos quais ambos
participaram.
D.
Domingos deu também atenção à partilha dos seus bens móveis por muitos dos que
o tinham servido, assim como pelas instituições religiosas, das quais esperava
intercessão pela sua alma. Foram vários os mosteiros e igrejas contemplados,
nomeadamente os cenóbios (conventos) de Alcobaça, Santa Cruz de Coimbra e S.
Vicente de Fora de Lisboa, assim como para ordens militares. A todos pediu
intercessão por sua alma, pela de D. Durando (seu antecessor em Évora), de D.
Airas, bispo de Lisboa, e de sua mãe e avó.
Beneficiou
ainda os seus familiares, como Pedro e João, identificados como filhos de
Urraca, sua parente, assim como os seus criados, legando quantias
significativas para obras pias. Privilegiou os pobres, as viúvas dos bispados
de Lisboa e Évora, as donzelas pobres e vários hospitais, não esquecendo todos
os mosteiros da Estremadura e do Alentejo, aos quais tinha destinado um quinhão
particular.
No
seu testamento, o eixo do seu trajeto pessoal e eclesiástico assume particular
centralidade. Nomeou Paio Domingues, deão de Évora, João Martins, cónego de
Lisboa, Afonso Anes, cónego de Évora e Airas Martins, pedindo a todos que
atuassem de acordo com o conselho de D. Dinis, prevendo ainda que, em caso de
morte de algum dos testamenteiros, este fosse substituído por mestre
Bartolomeu, reitor da igreja de S. Bartolomeu de Lisboa.
Ao
aproximar-se o seu fim, D. Domingos Anes Jardo reestruturava, através do seu
testamento, os círculos pessoais e institucionais que tinham marcado o seu
trajeto e construía uma memória da sua vivência.
Conforme
o obituário da Sé de Lisboa, D. Domingos Anes Jardo faleceu no dia 16 de
dezembro de 1293 e, tanto no mosteiro de S. Vicente de Fora, como na Sé de
Coimbra, eram celebrados aniversários por sua alma no dia da sua morte.
Poder-se-á
dizer que deixou um longo e linear percurso onde o saber, a lealdade e o
serviço ao poder real, assim como a integração nos círculos políticos do final
do século XIII, se conjugaram de forma modelar.
(a) Esta freguesia não existe e, segundo apurei, ficaria na atual zona da Mouraria. (“Os velhos hospitais da Lisboa antiga”) https://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/obras/RevMunicipal/N10/N10_master/N10.pdf
Fontes:
Dicionário Geográfico ou Noticia Historica, Pdre. Luís Cardoso da Congregação do Oratorio de Lisboa, Academia Real do Numero da Historia Portuguesa, Tomo I, Regia Officina SYLVIANA, e da Academia Real, MDCCXLVII. Biblioteca Nacional de Lisboa. Págs. 73 a 74.
Excelente trabalho!... li na diagonal uma pequena parte, está de parabéns Ilustre Amigo, procurarei ganhar coragem para ler toda a história. Um abraço
ResponderEliminarObrigado.
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