Desaparecido nas inundações que assolaram os lugares de Agualva e Cacém, Sintra
O desaparecimento, a 20 de
novembro de 1937, de Mário Lobo da Conceição, com 25 anos de idade, bombeiro de
3ª classe dos Bombeiros Voluntários de Agualva-Cacém (BVAC), encerra na sua
singularidade, uma das mais insólitas mortes ao serviço dos bombeiros
portugueses.
Supostamente arrastado pela
fúria das águas (o seu corpo nunca foi encontrado) quando se julga que tentava
prestar socorro às vítimas das inundações que naquela data atingiram ambos os
lugares das margens da ribeira da Agualva, o infeliz Mário Lobo acabou por ser
vítima da sua abnegação. Diz-se supostamente, uma vez que nem bombeiros nem
populares testemunharam o acidente, sendo por isso difícil determinar
objetivamente as condições do seu desaparecimento. Porém os testemunhos
divulgados pela imprensa da época parecem fazer sentido, sustentando até hoje a
única versão existente sobre a morte de Mário Lobo.
Na noite do temporal,
segundo a informação publicada no “Diário de Notícias do dia 23, Leonel
Baptista, um miúdo de 12 anos, terá visto um vulto na cheia, chamando a atenção
do seu avô para o facto. Na edição do dia 25, o mesmo jornal refere:
“Continua sendo assunto de todas as conversas o desaparecimento do
bombeiro voluntário desta localidade, Mário Lobo, que as águas turvas e
traiçoeiras tragaram quando procurava servir uma causa que há seis anos se
dedicava. Corre agora uma nova versão que é a que mais se aproxima da forma
como se teria dado o desastre.
O infeliz Mário Lobo não quis regressar ao quartel no ‘pronto-socorro’ e
teria tomado a rua António Nunes Sequeira, por ser o trajecto mais próximo da
sua casa. Mas, ao atingir o cruzamento desta com a rua da Ponte Nova, ouvira os
gritos de socorro que partiam da casa de Manuel Peixinho, que estava a ser
invadida pela água do rio.
O destemido bombeiro ter-se-ia desviado, para aquele local, a fim de ali
prestar os socorros, tentando atravessar a ponte que o separava da casa, sendo
então arrebatado pela corrente, que era fortíssima. Supõe-se ainda que nesse
momento se tivesse apagado a iluminação pública.
Chegou-se a esta conclusão por declarações da Sr.ª D. Carinte Pombo, que da
sua janela viu um vulto de capa vestida tomar esta direção. Quando foi dado o
sinal de alarme, o desaparecido estava a trabalhar em casa do Sr. António Paula
Lopes. Correndo ao quartel, tomou uma viatura, não chegando a ir a casa
fardar-se para se não demorar. Foi, depois de cinco horas de árduo trabalho,
quando ia alimentar-se para refazer as forças, a fim de voltar a trabalhar pelo
bem alheio, que encontrou a morte.”
Da edição do “Diário de Lisboa” do dia 21, da notícia referente ao temporal em Lisboa e arredores, foi digitalizada parcialmente a parte das notícias referentes a Agualva-Cacém, onde se assinala o desaparecimento de Mário Lobo, mas identificado como Manuel Lobo:
Reproduz-se aqui (Arquivo dos Bombeiros Voluntários de
Agualva – Cacém)
o testemunho do saudoso Comandante Artur Lage, lido ano após ano, durante as
comemorações de aniversário da Associação Humanitária de Bombeiros Voluntários
de Agualva Cacém, junto ao monumento erguido em memória do abnegado Mário Lobo
e perante o corpo de Bombeiros.
“20
de Novembro de 1937”
O
dia surge chovendo copiosamente, com o céu carregado de nuvens ameaçadoras. Tal
ameaça, confirma-se, porque pouco depois a chuva torna-se torrencial,
acompanhada de violenta trovoada que se manteria por todo o dia.
Ás
11 horas aproximadamente, regista-se a primeira chamada para inundações que se
verificavam no Bairro Serpa Rosa, situado junto ao túnel de passagem inferior à
linha férrea, abrangendo o local onde hoje se encontra o posto, dos serviços
Médico – Sociais, a Cervejaria Marisqueira do Túnel, etc. Saiu do Quartel o
Pronto Socorro, único existente, de cuja guarnição eu e o Mário Lobo, fazíamos
parte além de outros, sendo comandados pelo chefe Gomes Fragoso.
No
local existia uma vivenda grande, sendo as restantes habitações casas baixas.
Começamos por desobstruir uma regueira existente, a fim de que ela recebesse as
águas que inundavam as habitações. Trabalho em vão, porque pouco tempo depois
os dois rios existentes e que se juntam no Cacém de Baixo, passando a Ribeira
das Jardas, galgavam as suas margens, a ponte não dava vazão, era destruída e
dava-se a enorme cheia.
A rua principal do Cacém tinha
configuração diferente da atual. Um muro alto era a vedação de uma quinta,
ladeava a estrada desde o rio à Casa Ferreira, não existindo os atuais prédios
do Café Central, Capri, Farmácia etc. esta rua transformou-se num rio com
violento caudal que nos obrigava a andarmos amarrados com espias para não
sermos arrastados. Agora os nossos socorros limitavam-se a retirar pessoas para
andares superiores e outros lugares que oferecessem segurança. Nada mais se
podia fazer face á violência da cheia.
Entretanto
a chuva diminuiu de intensidade, as águas baixaram de nível e passamos a
prestar assistência às casas inundadas. Móveis e outros utensílios, roupas e
calçado, haviam saído pelas janelas e portas arrombadas pela violência das
águas. Os prédios mais antigos foram o edifício onde hoje está a Junta de
Freguesia, a central dos telefones ao seu lado e uma casa de pasto mais
adiante. Fez-se tudo o que era possível relativamente ao apoio aos seus
proprietários.
Tudo
mais calmo, já de noite, porque o pessoal se encontrava esgotado, o Chefe
Fragoso, deu ordem para voltarmos ao Quartel, a fim de nos alimentarmos e
mudarmos de roupa. A Corporação era jovem e pobre e nós não disponhamos de
equipamento de proteção. Vestíamos apenas fato-macaco e calçado normal. Alguns
que possuíam casaco impermeável, era de sua propriedade.
Quando
a viatura no seu trajeto passava próximo da casa dos pais de Mário Lobo, este
pediu ao Chefe para ficar ali por ser mais próximo do que indo ao Quartel.
Devidamente autorizado, desceu e nós continuámos, mas ainda no percurso, a
tempestade aumentava de intensidade e quando chegámos ao Quartel as
solicitações eram muitas, constando entre elas o pedido para umas casas
existentes na margem norte do rio que atravessava Agualva, nas proximidades da
hoje atual Rua Mário Lobo e onde os habitantes em altos gritos pediam socorro.
Para ali seguira já pessoal a pé dada a proximidade prestando os devidos
socorros e a viatura seguiu novamente para o Cacém de Baixo. É neste momento
que segundo averiguações, tudo indica que a tragédia se consumou.
Mário
Lobo que passava junto à margem oposta de onde se ouviam os gritos de socorro,
tentaria atravessar o rio por uma rudimentar ponte sem amparos que ali existia,
e que ele muito bem conhecia, o que contribuiu para que se aventurasse, e fosse
arrastado pela violência da corrente que além da água, incluía os mais diversos
objetos, alguns dos quais de grande porte.
Porém,
só tivemos conhecimento da sua falta, quando seu pai João Lobo, me procurou em
casa, já eu descansava perguntando-me pelo filho, porque não regressará à sua
residência.
Surpresa
e preocupação!
Estabelecemos
contactos e de facto ninguém tinha visto Mário Lobo, na Segunda presença na
cheia.
Imediatamente
ao alarme dado por seu pai, fizeram-se durante o resto da noite, diligências
para saber do seu paradeiro, inclusivamente nos locais onde havíamos atuado.
Logo que amanheceu efetuaram-se pesquisas ao longo do rio, tendo sido
encontrado o seu casaco impermeável preso numa grande raiz de uma árvore que se
encontrava no leito do rio, um pouco abaixo da Tinturaria Cambournac .O casaco
encontrava-se preso à árvore pela aba e tinha as mangas voltadas do avesso, o
que para nós significava que o corpo de Mário Lobo passara naquele local e que
o casaco ao ficar preso, se lhe despira, continuando o corpo o curso. Não
restavam dúvidas.
Mário
Lobo fora tragado pelas águas revoltas da cheia e a tristeza invadia-nos.
Seguiram-se
dias de angústia. No dia 1 de Dezembro seguinte, já convencidos de que Mário
Lobo perdera a Vida, mas na esperança de reaver o seu corpo para que lhe fossem
prestadas as devidas homenagens, foram efetuadas pesquisas em profundidade, com
a participação de Corporações congéneres, ao longo de toda a Ribeira das
Jardas, extensiva às ruas margens, lagoas e desmuramentos, etc, etc, até
Caxias, local onde desagua no rio Tejo, sem resultados positivos. Apenas foi
encontrado o seu cinturão de cabedal, partido e preso a uns silvados em local
do rio quando passava na Fábrica da Pólvora, em Barcarena.
Mário
Lobo desaparecera para sempre!”
As obras de melhoramento,
nomeadamente nas margens da ribeira das Jardas, projeto «Pólis Agualva-Cacém
2001/2009», modificaram toda aquela área e vários edifícios aí implantados já
não existem.
Nos anos 60, o nome do
bombeiro Mário Lobo passou a figurar na toponímia da cidade de Agualva-Cacém,
numa rua situada nas imediações da presumível tragédia.
http://bombeirosdeportugal.pt/Memoria/mario-lobo-nome-de-um-heroi-obscuro=150
http://bombeirosdeagualvacacem.blogspot.com/2011/11/desaparecido-nas-inundacoes-de-20-de.html
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