Stuart Mill resume os conceitos de moralidade,
utilidade, correção, felicidade e prazer no princípio da máxima felicidade para
o maior número.
Para Mill, a moralidade das ações é avaliada pelas
suas vantagens ou desvantagens, o que permite definir se uma ação é boa ou má,
correta ou incorreta, pelas suas consequências, pela sua utilidade para o bem
comum, proporcionando a felicidade e prazer para um maior número.
A definição utilitarista da felicidade é a máxima felicidade para o maior número.
Do ponto de vista geral é este o fim último em função do qual todas as outras
coisas são desejáveis, quer se considere o nosso próprio bem, quer o bem dos
outros. No entanto, podemos ser colocados perante situações em que será difícil
optar pelo bem do maior número em detrimento do menor. Perante a emergência de
salvar um parente próximo de um acidente ou salvar três estranhos, dado que o
padrão moral do utilitarismo defende que o certo é salvar os estranhos porque
maximiza a felicidade, que atitude tomaríamos? Dependendo dos fatores
circunstanciais de inevitabilidade, o nosso primeiro impulso será salvar o
familiar. Como em tudo na vida, nada é perfeito!
Para Jeremy Benthan (1748-1832) a origem da felicidade era
irrelevante e, apesar de acorrer com diferentes intensidades, era sempre do
mesmo tipo. Stuart Mill estabeleceu uma distinção entre prazeres inferiores
(físicos) e prazeres superiores (mentais), argumentando que uma pessoa que
conheça ambos os prazeres, optará pelos segundos em detrimento dos primeiros, e
é certo que quem conhece os dois lados dá primazia aos prazeres superiores.
Assim, Benthan podia calcular a felicidade tendo em
conta a intensidade e duração: quanto mais intensos e prolongados forem os
prazeres associados à ação, mais útil ela será, assentando o seu critério na
quantidade. Já Stuart Mill distingue os prazeres assentes na qualidade, fazendo
distinção entre prazeres inferiores ligados às sensações corporais e prazeres
superiores ligados ao espírito (inteligência, imaginação, sentimentos morais)
considerando, tendo em conta a sua qualidade, os prazeres superiores
preferíveis aos inferiores, por serem mais dignos, justificando que aqueles que
conhecem bem os dois tipos de prazeres podem identificar o que é preferível ao
homem.
A ética é um conjunto de valores morais que nos indicam
quais são os nossos deveres e, como sabemos, os códigos éticos variam de
sociedade para sociedade e ao longo dos tempos, e ainda, como também sabemos,
numa mesma sociedade os indivíduos tendem a organizar-se em grupos em que
estabelecem os seus próprios códigos de conduta, que não são necessariamente
iguais. Igualmente, cada um de nós, individualmente, age de forma diversa perante
motivos circunstanciais pondo em causa o estrito cumprimento do dever, não
sendo por isso condenado pela sociedade. Contudo, como o ser humano não é
perfeito, suspeito que não haverá nenhum ser que não tenha motivos para condenação,
uma só vez que seja durante a sua existência, por atos contrários aos códigos
éticos da sua sociedade. Além do mais, uma sociedade perfeita, onde todos
respeitariam os códigos morais, para além de utópica, seria entediante. Por
isso, e citando Mill, se “nenhum sistema de ética exige que o único motivo de
tudo o que façamos seja um sentimento de dever” e, “noventa e nove por cento
das nossas ações são realizadas por outros motivos”, sem serem condenadas pelas
regras do dever, e como Stuart Mill acha que “está muito bem assim”, seria ousado
contrariar este pensamento, mesmo que pensemos o contrário.
A consciência moral deriva dos sentimentos morais do
dever, que não são inatos mas adquiridos, presentes em todos nós e suscetíveis
de serem levados a um elevado grau de desenvolvimento através da cultura.
Este sentimento é a base do sentimento social, a
força da moralidade utilitarista. Segundo Mill, este é um poderoso princípio da
natureza humana que tende a tornar-se mais forte, mesmo não sendo expressamente
inculcado, à medida que a humanidade se afasta do estado de independência
selvagem.
É no desejo de estar em união com os nossos
semelhantes que cada um de nós toma consciência de si próprio e se preocupa com
os outros, algo a que se tem de dar atenção como a qualquer dos estados físicos
da nossa existência.
Contudo, se sentíssemos completa empatia pelos
outros, tornar-se-ia impossível ao ser humano discordar da direção geral da sua
conduta de vida. No entanto, quem tiver minimamente desenvolvido o sentimento
social, não pensará no resto dos seus semelhantes como rivais, que lutam contra
si pelos meios de obter a felicidade e que deseja derrotar para alcançar a sua.
A conceção que cada indivíduo tem de si próprio como ser social, leva-o a
sentir como desejo natural que exista harmonia entre os seus objetivos e os dos
seus semelhantes. Para Mill, este sentimento é maioritariamente inferior aos
sentimentos egoístas presentes na maior parte dos indivíduos e frequentemente
não existe de todo em todo. Mas, para quem o tem, possui todas as
características de um sentimento natural, que não se apresenta como uma
superstição da educação nem como uma imposição despótica, mas como uma
qualidade que seria mau não ter. E “esta convicção é a suprema sanção da maior
felicidade”.
Stuart Mill elege como fundamento das nossas ações as
bases da felicidade e que o correto é definido em função das melhores
consequências e da maximização imparcial da felicidade das pessoas afetadas
pelas nossas ações, o que significa promover a maior felicidade possível para
todos aqueles que sofrem, de alguma maneira, as consequências dos nossos atos.
Ainda, segundo Mill, os sentimentos dos homens são
muito influenciados pelo que supõem ser os efeitos das coisas sobre a sua
felicidade e têm tido um papel importante na ética e na formação das doutrinas
morais, não havendo escola de pensamento que recuse a influência das ações
sobre a felicidade e a não considere primordial e predominante em muitos
aspetos da moral, como é o caso do utilitarismo.
O objetivo da ética é dizer-nos quais são os nossos
deveres ou os meios por que podemos conhecê-los mas, afirma Stuart Mill, nenhum
sistema ético exige que o único motivo das nossas ações seja um sentimento do
dever. Contrariamente, na aceção kantiana (Immanuel Kant, 1724-1804), o dever é a necessidade de agirmos
com ações que possam servir como princípio único à vontade de proceder sempre
de maneira a que a minha máxima se torne uma lei universal. Para Kant, o valor
moral de uma ação reside em si mesma independentemente das suas consequências.
Para Mill, uma boa ação é sempre moralmente válida mesmo que algo de subjetivo
esteja por detrás. Não importa se eu salvei um amigo por dever de salvar-lhe a
vida ou apenas porque é um amigo. O que importa é que salvei uma vida!
As ações dos homens são no geral julgadas em função
dos objetivos alcançados, pouco importando se o agente as praticou movido por
interesses particulares ou simplesmente pelo restrito cumprimento do dever.
Para Kant, o dever corresponde à necessidade de agir
por respeito à lei moral que a razão dá a si mesma. E a única coisa boa em si
mesma é a boa vontade que se deixa guiar pela razão interior, ou seja, na
adesão livre da vontade aos desígnios da razão.
Podemos avaliar as ações deste ou daquele indivíduo
segundo uma bitola de valores da sociedade, mas nunca penetrar na mente dos
homens para aferir os verdadeiros desígnios de cada um. Por isso, a moral
utilitarista, ao fazer depender a validade das ações das suas vantagens ou
consequências, torna mais fácil essa avaliação. E uma ação não deve ser
considerada moralmente válida apenas porque dela resulta benefício para o maior
número, mas porque (também) é justa.
Das divergências de opinião poderão resultar benefícios
para o aprofundamento dos valores éticos da Humanidade.
Se quisermos estabelecer um paralelismo entre a regra
de ouro do cristianismo, o imperativo categórico kantiano e o princípio
utilitarista de Stuart Mill, respetivamente: "não faças aos outros o que não
queres que façam a ti, e ama o próximo como a ti mesmo"; "age unicamente de acordo com a máxima que
te faça simultaneamente desejar a sua transformação em lei universal" e "a felicidade que constitui o padrão
utilitarista do que está correto na conduta não é a própria felicidade do
agente, mas de todos os envolvidos", poderemos concluir à partida
que são doutrinas semelhantes e que, portanto se equivalem. Contudo, parece
haver uma maior similitude entre a regra cristã e Kant e algum distanciamento no
princípio utilitarista, porquanto este atribui valor moral às consequências dos
atos independentemente da intenção do agente. Para Kant mentir para salvar uma
vida é imoral e para o cristianismo é pecado e, por isso, para ambas as
doutrinas condenável, para o utilitarismo não.
Será que uma ação é boa em si mesma independentemente
do bem ou do mal que possa promover? Ninguém pode prever as consequências de um
ato mas, ao mentir para salvar alguém, haverá peso na consciência, mesmo se
essa pessoa não se salvou? Ao contrário, se a pessoa morreu porque se falou
verdade, essa morte não irá pesar na consciência? Será que se a verdade fosse
omissa ele se salvaria?
Cada um de nós tem o direito e o dever à verdade e
deve ser esse o desígnio do ser humano, ser verdadeiro. Mas importa o que em
resultado do nosso ato possa advir, embora as consequências não estejam sob
nosso controlo. O homem deve ser livre de decidir, e para decidir tem de tomar
opções, o que implica pensar nas possíveis consequências. E a verdade é que em
situações extremas, dependendo das situações, faltar à verdade pode evitar que
se cometam, com grande probabilidade, atrocidades por exemplo, ainda que isso
não seja certo, e, por isso, ao mentir estaremos a cumprir estritamente com o
nosso dever. Em determinadas circunstâncias, não nos devemos ater ao restrito
cumprimento do dever de ser verdadeiro e deixar as responsabilidades para o
acaso.
O simples facto de o nosso poder sobre as
consequências das nossas ações ser muito pequeno, não nos deve inibir de, como
seres racionais, tomarmos o destino nas nossas mãos. No caso citado no ensaio
de Kant que aponta como exemplo o hipotético caso de um amigo nosso que está
inocente e se refugia na nossa cave, fugindo a um assassino que o persegue,
esse nosso amigo tomou uma decisão: pediu-nos ajuda e refugiou-se em nossa
casa: Tomou o destino nas suas mãos e depositou-nos a sua confiança. Temos nós
o direito de o condenar à morte dizendo a verdade ao assassino e traindo a sua
confiança? Ou temos o dever de o proteger (ainda que não fosse nosso amigo)
mentindo? E mesmo no caso de o nosso amigo se escapar pela janela e esbarrar no seu perseguidor, cumprimos com o dever de proteção. Essa consequência deveu-se ao
simples facto do amigo tomar, mais uma vez, o destino nas suas mãos e decidir de escapulir-se, acabando por ir de encontro ao seu
algoz.
O facto de termos o direito e o dever à verdade
merece muita reflexão e ponderação, pois não podemos cingir-nos apenas ao
estrito cumprimento do dever, deixando o acaso tratar do resto.
Por estas razões a perspetiva ética de Stuart Mill será
aquela que melhor se adapta à condição humana, parecendo a ética kantiana de difícil aplicação, mais adequada para o cumprimento dos mandamentos divinos, como se a nossa
passagem terrena fosse apenas uma etapa a caminho da felicidade eterna.
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