A figura de Brites d’Almeida, a famosa PADEIRA DE ALJUBARROTA, é
considerada pelos historiadores uma personagem lendária, uma heroína portuguesa,
celebrizada e cantada pelo povo.
Invenção ou não, é uma figura que representa a vontade popular da época.
Mulher de armas e heroína de Portugal, levantou a voz (e a pá), contra os
castelhanos, salvaguardando a independência da pátria. Mulher audaz, sem medo e
sem credo, apenas com a força interior que só uma mulher pode ter, a eterna
padeira bem pode ser designada como a primeira feminista de Portugal. Brites
(Breatriz ou Beatriz) de Almeida, mais conhecida como a Padeira de
Aljubarrota, não deve ser vista apenas como uma padeira humilde que virou
guerreira.
Não interessará muito se a cronologia da vida desta mulher está certa ou
errada. O que importa é que estamos perante uma mulher de armas e num tempo em
que as mulheres não tinham direitos, num reino de homens e soberania masculina.
Brites de Almeida é o símbolo de alguém que levantou a voz contra todas regras
e normas impostas ao mundo feminino, que fez da sua pouca beleza arma de
arremesso e da sua força invulgar escudo de batalha. Realidade, mito ou lenda,
Brites d’Almeida é o símbolo do ardor patriótico, quer do povo de Aljubarrota,
quer de toda a nação, pois não era apenas uma mulher, por mais destemida que
fosse, que seria capaz de enfrentar tantos fugitivos
O nome da Padeira de Aljubarrota anda associado à vitória portuguesa
sobre os castelhanos na famosa Batalha de Aljubarrota. Com a sua pá, Brites
d’Almeida, terá matado sete castelhanos que se esconderam no seu forno.
A batalha de Aljubarrota está inserida no contexto da sucessão ao trono de
Portugal durante a crise de 1383 a 1385. O rei D. Fernando faleceu sem deixar
filho varão e a única descendente que deixou foi a sua filha Dª Beatriz,
entretanto casada com D. Juan I, rei de Castela e, pela ordem natural das
coisas, ascendendo Dª Beatriz ao trono, o reino de Portugal corria o risco de
ser anexado a Castela. Por força do Tratado de Salvaterra de Magos, no qual se
previa o casamento de Dª Beatriz com o rei castelhano, ficou a regência do
reino a cargo da rainha viúva Dª Leonor de Teles até que Dª Beatriz tivesse um
filho varão e este atingisse 14 anos de idade, passando então a coroa
portuguesa a pertencer aos descendentes de Castela. Dª Leonor de Teles era de
ascendência leonesa e, entretanto, vivia em concubinato com o conde galego João
Fernandes Andeiro.
Esta ligação amorosa foi alvo de muitas críticas. Era o conde de Andeiro,
conselheiro e íntimo da rainha, com um papel importante na corte, e isto
desagradava muito a um grupo de nobres, entre os quais se incluía D. João,
mestre de Avis.
Embora algumas famílias nobres aceitassem, ou tolerassem, a união de
Castela com Portugal, outras havia que, juntamente com o povo, se insurgiam
contra esta possibilidade. Entretanto surgiram mais dois pretendentes à coroa
portuguesa para competir com os reis castelhanos. Foram eles: D. João,
príncipe de Portugal, filho de D. Pedro I e de Dª Inês de Castro (dado o
suposto casamento dos seus pais) e D. João, mestre de Avis, também filho
de D. Pedro e de Tereza Lourenço.
O príncipe D. João a esse tempo encontrava-se em Castela e, sendo um dos
pretendentes ao trono, o rei castelhano, temendo que voltasse a Portugal e
fosse aclamado rei, meteu-o numa prisão em Salamanca.
Com o decorrer dos acontecimentos e acicatado por um grupo de nobres e
burgueses, dentre os quais figurava Nuno Álvares Pereira, o mestre de Aviz
assassina, no paço, o conde de Andeiro. A rainha regente, Leonor de Teles, foge
para Alenquer, dando início a uma sucessão de factos que levam à entrega da
regência do reino a D. João, mestre de Avis.
Já há muito que D. Juan de Castela deixara de respeitar o Tratado de
Salvaterra, considerando que não tinha que atender em nada ao nele
convencionado, pois sua mulher era a legítima herdeira do trono português, e
ele pretendia ser um soberano em pleno; isto é, não de dois reinos separados,
mas de um único. Decide assim entrar em Portugal e cercar castelos e
praças-fortes. Em 6 de abril de 1384 é derrotado na Batalha dos Atoleiros, mas
em maio (26) o rei castelhano, juntamente com a esposa, avança em força com o
seu exército sobre Lisboa e, com uma frota posicionada no Tejo, completa o
cerco à cidade. Este cerco durou quatro meses e meio, sofrendo os castelhanos
algumas investidas (pela sua periferia) por parte das forças do mestre de Avis,
chefiadas por Nuno Álvares Pereia, acabando derrotado, não pelo nosso exército,
mas pela Peste Negra que lhe causou muitas baixas, acabando por levantar o
cerco a 3 de setembro.
A 6 de abril do ano seguinte reúnem-se as cortes em Coimbra que proclamam
D. João, Grão-Mestre de Avis, como D. João I, Rei de Portugal.
Castela não desiste e, logo a seguir à aclamação de Coimbra, volta a
invadir o nosso país e em maio as nossas tropas levam de vencidas as
castelhanas na Batalha de Trancoso. Com esta derrota, o rei castelhano resolve
avançar ao comando de um grande exército, o qual já vinha sendo preparado
depois do cerco a Lisboa, e, acompanhado por um contingente de cavalaria
francesa, na segunda semana de junho entra pelo Norte de Portugal com um
poderoso exército de cerca de 32.000 homens, dirigindo-se para Sul com intenção
de ir sobre Lisboa, a fim de por cobro àquilo a que considera uma rebelião.
D. Nuno Álvares Pereira reúne as suas tropas e desloca-se para Tomar, onde
se juntam as forças de D. João I, e, juntas, decidem intercetar o inimigo nas
imediações de Leiria, perto de vila de Aljubarrota. O exército português vinha
reforçado com um destacamento inglês enviado a Portugal em resposta a um pedido
de ajuda feito pelo mestre de Avis.
Os dois exércitos encontram-se a 14 de agosto, e neste confronto o exército
de Castela foi praticamente aniquilado na Batalha de Aljubarrota. As perdas nesta
batalha foram de tal forma graves, que D. Juan I de Castela nunca mais quis
tentar nova invasão nos anos seguintes.
Com esta vitória D. João I afirmou-se como Rei de Portugal, colocando um
ponto final ao interregno e à anarquia da Crise de 1383/1385. Porém, o
reconhecimento de Castela só chegou em 1411 com a assinatura do tratado de
Ayllon-Segóvia.
Feito o resumo dos acontecimentos que determinaram o confronto dos
exércitos português e castelhano, voltemo-nos agora para a história da famosa
padeira.
Como acima refiro, chamava-se ela Breatriz (ao que parece era assim que
dizia à época) ou Beatriz, ou seja, Brites de Almeida. Há quem aponte como data
do seu nascimento o ano de 1345 ou 1350, porém, e nisto todos parecem ser
conformes, ela teria cerca 40 anos de idade aquando da batalha de Aljubarrota.
Assim sendo, é de considerar como mais correto o ano de 1345.
Supostamente teria nascido em Faro, de pais pobres de humilde condição,
donos de uma taverna ou estalagem.
Logo à nascença se notou nela uma singularidade: tinha 6 dedos em cada mão;
o que era um bom augúrio para os seus pais, julgando ter em casa uma futura
mulher muito esforçada e trabalhadora.
Tornou-se Brites numa mulher muita alta (como o homem mais agigantado);
magra, mas corpulenta; de semblante feio, pálido e triste; nariz adunco e
grande boca; olhos muito pequenos em proporção do rosto, sendo por isso
alcunhada de pisqueira e cabelos crespos. Acrescentam alguns ter
revelado desde criança um génio irascível, temerário e desordeiro e, já como
mulher, de possuir uma certa beleza física e talhada para ser valente,
destemida e mesmo desordeira.
Conta-se que quando trabalhava estalagem com seus pais, o filho do alcaide
da cidade de Faro, que frequentava o estabelecimento, pretendia obter as boas
graças da rapariga, mas como nada conseguia, pensou que pela via da força
alcançaria a conquista; esta vendo-se ofendida atirou-lhe com uma bilha de
barro, ferindo-o na cabeça.
Por morte de seus pais, aos 26 anos, gastou grande parte dos bens que
herdara em aprender a “jogar armas”, tomando depois, de arrendamento,
uma fazenda em Loulé, para onde foi viver. No entanto outros afirmam que com o
resultado da venda dos poucos haveres herdados levou uma vida errante como
negociante de feira em feira. Também se diz que terá fugido para Lisboa depois
de partir a bilha na cabeça do filho do alcaide, regressando a Faro depois de
morte do pai.
A viver na quinta em Loulé, um soldado alentejano ter-se-á encantado do seu
aspeto varonil e pediu-a em casamento. Ela ter-lhe-á respondido que sim, mas
que primeiro teria de a vencer numa briga. Ele aceitou o desafio e, no decorrer
da luta, Brites ter-se-á excedido, ferindo-o de morte.
Para evitar ser presa, fugiu para Faro, embarcando sozinha num barco com
destino a Andaluzia. Porém o vento contrário levou-a para alto mar, sendo raptada
por um barco argelino e vendida no mercado de mulheres de Argel a um mouro
poderoso. Segundo alguns, neste barco já se encontravam dois portugueses
prisioneiros.
Depois de passar por grandes sustos, resistir a muita violência e defender-se
com muita coragem e sorte, Brites d’Almeida convenceu dois escravos portugueses
que estavam ao serviço do mesmo senhor e, disfarçada de homem, os três, uma
noite, mataram quantos mouros os enfrentaram, fugiram do harém e meteram-se num
barco que já tinham de prevenção, porém não cuidaram de levar mantimentos. Ao
fim de 4 dias de luta com as ondas, numa viagem tormentosa, arribaram à
Ericeira.
Com receio de ser reconhecida e presa pela morte do seu pretendente,
disfarçou-se de homem e trabalhou como almocreve, contudo, a sua vida de
condutora de bestas de carga também foi muito acidentada. Entre muitos
desacatos, foi acusada de outra morte. Presa, foi conduzida às cadeias de
Lisboa. Conseguiu libertar-se e rumou para Valada, onde se demorou pouco, indo
para Aljubarrota para criada duma padeira. Aí viveu a nossa heroína junto da
sua patroa durante oito meses e meio, herdando a padaria por morte da sua ama.
Também se diz que foi libertada por não se provar este crime, mas, perante o
caso de uma mulher disfarçada de homem para fugir à justiça pelo crime
anterior, não é verisímil que a sua libertação fosse obra das autoridades.
Como se vê, até chegar a Aljubarrota, a vida da nossa popular heroína foi
recheada de aventuras agitadas e o facto de vir a ser a proprietária da padaria
por morte da sua patroa, é justificado da seguinte forma: o marido da velha
padeira tinha sido feito cativo por piratas argelinos e Brites d’Almeida
ter-lhe-á dado notícias do seu paradeiro, pelo que a patroa se afeiçoou tanto à
sua criada que lhe doou o seu negócio.
Casou logo pouco depois da Batalha de Aljubarrota com um rico agricultor,
morrendo provavelmente em 1393, de quem teve uma filha que, aquando da sua
morte, teria cerca de seis anos. Morava na Rua Direita, numa casa pegada ao
celeiro dos frades de Alcobaça que, após a sua morte, foi de uma mulher chamada
Tubaroa, casa que depois se anexou ao celeiro.
Conta-se que já antes de Aljubarrota, Brites de Almeida manifestara o seu
fervor patriótico e ódio aos castelhanos pois que juntamente com a multidão
desordenada apedrejara, aquando do casamento ilícito de D. Fernando, o palácio
de S. Martinho, em Lisboa; que se indignou quando soube do adultério de Leonor
de Teles e que aplaudiu o Mestre d’Avis quando este matou o conde de Andeiro.
Encontrava-se, pois, Brites d’Almeida em Aljubarrota quando se deu a
batalha. A tradição não diz que entrou nesta refrega, mas que foi após a
vitória que se deu o feito histórico pelo qual se celebrizou. O confronto dos
dois exércitos deu-se a onze quilómetros desta vila e, numa monografia de 1931,
diz-se que «Durante a batalha de Aljubarrota, Brites de Almeida, por entre o
povo da vila, assistia ansiosa ao desenrolar da batalha de qualquer ponto
elevado das cercanias, e muito folgou ao ver a derrota dos espanhóis.»
Ao pressentirem a derrota, os castelhanos começaram a fugir em debandada e
desordenadamente, e, esperando a oportunidade de escaparem com vida, passaram muitos
deles pela povoação de Aljubarrota, procurando abrigo nas redondezas. A casa de
Brites estava vazia e, (na opinião de outros) porque ela andava a ajudar nas
escaramuças que ocorriam, sete deles esconderam-se no forno.
Ao regressar a casa encontrou a porta fechada e logo desconfiou da presença
de inimigos. Entrou alvoraçada à procura e encontrando os homens, intimou-os a
sair do forno e a renderem-se. Como estes fingissem dormir ou não entender,
resolveu a questão matando-os à pazada. Dizem que tê-los-á cozido no seu forno,
juntamente com pão com chouriço.
Diz-se também que depois disto, Brites d’Almeida constituiu uma milícia de mulheres
para perseguir castelhanos, matando-os sem dó nem piedade.
A Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira descreve este episódio
histórico assim: «Na tarde da batalha de Aljubarrota, já derrotados os
castelhanos, o povo perseguiu os fugitivos e Brites de Almeida capitaneou um
troço de populares que se dedicaram a essa tarefa; diz a tradição que a padeira
ao cair da noite encontrou escondidos no forno, que estava apagado, sete
castelhanos que tentaram fugir ao populacho e que os matou.»
Uns dizem que Brites de Almeida viu
a batalha de fora, outros que ela com a sua pá se juntou ao exército
português, mas numa coisa todos coincidem: foi com a sua pá que ela matou sete
castelhanos que encontrou escondidos no seu forno, depois da vitória do lusos
capitaneados pelo génio de Nuno Álvares Pereira.
Acerca da Padeira de Aljubarrota, Alexandre Herculano, escreveu: «Se a
padeira de Aljubarrota é um mito, uma invenção popular do século XV, nem por
isso a desprezemos. Um povo que dá a uma mulher ódio bastante contra os
opressores estranhos para haver de matar a sangue frio sete desses inimigos; um
povo que assim simbolizava o seu modo de sentir a tal respeito devia saber
sustentar a independência nacional. Todavia não seremos nós que desterremos
para o mundo dos fantasmas a famosa Brites de Almeida, forneira de Aljubarrota.»
E continuando: «Este sucesso tradicional, quer real, quer fabuloso, tem em
qualquer dos casos, um valor histórico, porque é um símbolo, uma expressão da
ideia viva e geral aos portugueses daquele tempo, o ódio ao domínio estranho, o
rancor com que todas as classes de indivíduos guerreavam aqueles que pretendiam
sujeitá-los a esse domínio.»
Alguns escritores referem, talvez fantasiando, que a atestar o ódio contra
os invasores, houve em Aljubarrota uma pequena calçada formada pelos ossos dos
castelhanos mortos, e que esta com o passar do tempo foi mantida com ossadas de
animais nos sítios danificados.
Dizem que a famosa pá, quando do período de 60 anos de domínio espanhol,
entre 1580 a 1640, foi escondida numa das paredes dos Paços do Concelho. Apesar
de muito procurada e insistentemente requisitada, nunca os espanhóis a
descobriram e muito menos lhes foi entregue, com a desculpa de se não saber que
destino tinha levado.
É muito possível que a Padeira de Aljubarrota seja uma criação até muito
posterior à data da batalha e uma maneira de romancear uma vontade popular. Se
tudo isto não é mais que uma heroína inventada e elevada à categoria de símbolo
nacional, tal invenção não pode ser separada do descontentamento geral face à
eminente perda da nossa soberania, e quando os castelhanos, ao darem a batalha
como perdida, começaram a fugir em debandada, sendo perseguidos pelos aldeões
locais, que entre esses aldeões estivesse uma padeira com a sua pá em riste,
não é hipótese de todo impossível.
Fontes:
Portugal Antigo
e Moderno, Volume Terceiro, págs. 146 e 147
http://www.jf-aljubarrota.pt/Padeira_de_Aljubarrota
Muito bom. Obrigada
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