terça-feira, 21 de abril de 2020
A História da Humanidade, as suas Epidemias e Pandemias
quarta-feira, 1 de abril de 2020
APONTAMENTOS SOBRE LOBÃO
Situada na metade setentrional do Município de Santa Maria da Feira, distrito de Aveiro, a uma distância de cerca de 12 km da sede do concelho, 24 km do Porto e 285 km de Lisboa, a freguesia de Lobão está rodeada a norte pelas freguesias de Sanguedo e Vila Maior, a sul por Guisande e Caldas de S. Jorge, a nascente confina com Gião e a poente com Fiães. Com cerca de 7,9 km2 de área, tem uma população de 5.483 habitantes para uma densidade de 693,2 hab/km2 (2011).
Em 1991 a freguesia foi elevada ao estatuto de Vila pela portaria 78/91,
de 16 de agosto, em consequência da aprovação em reunião plenária da Assembleia
da República de 20 de junho.
O brasão da freguesia tem a forma dum escudo encimado por quatro torres, ao centro o padroeiro protetor S. Tiago, e abaixo, em listel com fundo branco a legenda “Vila de Lobão”.
Pela lei nº 22/2012, de 30 de maio, que consagra a Reforma da
Administração Local e por proposta da Câmara Municipal à Assembleia da
República, através da lei 11-A/2013, de 28 de janeiro, foi criada a União de
Freguesias de Lobão, Gião, Louredo e Guisande, com sede em Lobão, abrangendo no
seu conjunto 23,93 km2 de área e 9.860 habitantes (2011), com uma
densidade de cerca de 412 hab/km2.
Pinho Leal refere no seu “Portugal
Antigo e Moderno, Volume Quarto”, pág. 431:
«Lobão – freguesia, Douro, comarca e concelho
da Feira, 285 kilometros ao N. de Lisboa, 24 ao S. do Porto, 7 a NE. da Feira.
Bispado do Porto, disctrito administrativo
de Aveiro.
Orago S. Tiago, apostolo.
Em 1757 tinha 325 fogos.
O parocho era cura, que apresentava o reitor
de S. Pedro de Canedo, e tinha de rendimento 180$000 reis.
Tem uma bella egreja matriz com elegante e
alta torre.
Ha n’esta freguesia a capella de Santo Ovidio,
muito concorrida em tres romarias que alli se fazem annualmente.
É terra bonita e fertil.
É difícil conhecer a origem e habitabilidade deste território, dado que
são muito raras, ou mesmo inexistentes, as marcas arqueológicas, pelo que é
especialmente com recurso à toponímia e etnografia que se pode vislumbrar a
presença humana nesta região.
Não são conhecidos dados objetivos que possam fundamentar quando surgiu
o topónimo Lobão, mas tem sido mais ou menos consensual que ele deriva do
latim, mais precisamente de povoadores pertencentes a uma família Lobo (lupus). Em 906 surge como Lupon, em 967 como Lubon e, do derivado lupu
com o sufixo aumentativo one, aparece
um documento de 1055 em que se menciona a povoação como Lopone.
Também aparece o topónimo Lobão associado à teoria de que os povos
repovoadores da reconquista, deram
aos locais que escolheram para suas habitações, topónimos inspirados naquilo
que de mais importante observavam à sua volta, como: a fauna, a vegetação, a
hidrografia, a agricultura, a configuração do solo, as construções civis,
militares e religiosas, etc. Deste modo, de acordo com esta teoria, Lobão
refere-se a um aumentativo de lobo, o animal que infestava estas terras desde
tempos imemoriais.
Uma outra abordagem sobre este topónimo pretende relacionar a sua
origem com a identidade étnica maior dos Túrdulos Velhos (Turdeli Veteres), povo antigo dos Celtiberos, uma extensão dos
Túrdulos que viviam no sul de Portugal (Algarve) e que acabaram por se
estabelecer na região costeira ao longo das bacias do Vouga e Douro. O seu
centro religioso terá sido Langobriga
(ou Lancobriga), no Monte (Redondo)
de Santa Maria, Fiães (Castro de Fiães). Para estes povos, o lobo era
considerado como seu antecessor comum e seu «deus» maior, e, desde o tempo da
recoleção, o seu comportamento e forma de viver foi influenciador da vida
humana. Eram-lhe reconhecidas grandes qualidades: resistência, perseverança,
força, astúcia, capacidade de comando, lealdade, etc. Daí a sua adoção como ser
originário e divinizado.
A presença destes povos entre Douro e Vouga por volta dos anos 500
a.C., permite-nos atestar a habitualidade desta região.
Estes povos organizavam-se em grandes espaços, onde se salientavam
grandes povoados com o papel de lugares centrais em relação a um grande
conjunto de pequenos castros fortificados, espalhados por locais estratégicos e
que defendiam as principais vias de acesso à região. Por esse tempo, a área de
Lobão e vizinhanças, faziam parte de casais isolados (pagi=aldeias), que viviam sob a égide dos castros de Fiães e
Romariz.
Com a chegada dos romanos, a população local, embora continue a
centrar-se na urbe, foi-se distribuindo de forma diferente; posições
fortificadas (urbs, oppidum),
cidades, castelos (castrum),
aglomerados de casas, explorações agrícolas, etc. Lobão continuou enquadrado no
castro de Romariz, cabeça da cividade com o mesmo nome.
No período das invasões visigóticas, séculos V e VI, e depois dos
árabes no século VIII, mantiveram os limites territoriais das propriedades e
muito especialmente devido à arrecadação de impostos.
A seguir à invasão árabe, dá-se a reconquista, e é a partir daqui que
começa a dar-se o fracionamento dessa propriedade, inicialmente distribuída
entre os reconquistadores (rei, nobres e camponeses livres-colonos).
É neste contexto que surge a primeira referência documental conhecida
com alusão a Lobão, datado de 1055, num documento de permuta, no qual Diogo
Donaniz troca com Donna Emento Gondezendes, as suas herdades sitas nas vilas de
Serzedo, Serzedelo e Espinho ou, caso não seja possível, as de Nogueira,
Guisande, Lagoa e a sua quarta parte de Lobão, mais XX soldos de prata, menos
um alize (?), recebendo a quarta
parte da vila de Iniesta [Gesta,
Mozelos (?)]. (doc. 396, ano 1055, Portvgaliae
Monvmenta Historica – Diplomata et Chartae, Vol. I, Fasc. II, pág. 242):
«CCCLXXXXVI
Pactum
permutationis bonorum immobilium in villis de Cercedo, Cercedelo et Espinho,
alii bonis pro illis in villa Jenesta datis. Charta autographa, ex qua
sumpsimus, ad Monasterium Morariense pertinens, in Publico Archivo custoditur.
1055
Christus.
In domini domini (sic) nostri ihesu Christi ego famulus dei diagu donaniz
plagui mici per bone pacis et uoluntas ut contramutamus ad ubis ad a dona
ermento gumdesindiz … nostras ereditates unas cum allias de uila de sercedo et
de cercedelo nostra ratione quantaque ibi aduimus et de uila de espinu nostra
ratione quamtacuntaque ibi abuimus. et sit illa non potueritis deuendigare
intrequemus uobis in noquera et in grisandi et mea ratione de lagona et mea
quarta de lapone damus uobis ilas uilas de durio in uauga que in carta resonat
et xx solidos de ariento menos unu de alize adueatis uos ilas uilas que ad
uobis contramutamos con quamto ibi ad prestitum ominis est. aduetis uos et
omnis posteratis uestra. et sit aliquis omo uenereti uel uenerimus et nos non
uoluerimus autorigare como pariemus illas ereditates dublatas quanto ad uobis.
et adcepimus de uos quarta de uila de iniesta. nobis bene conplagui perpetim
aduiturum. facta cartula notum die erit Era millesima LXXXXIIIa x
post ckalendas decenber. diagu donaniz in cartula manu mea ro+.
qui
preses fuerunt tutesindu test. pelagiu test. menendo test. uermudu test. froia
test. mendo pelagi notui.»
Num outro documento, este de 1079, aparece já definida a posição
geográfica de Lobão, a norte do castro da Portela de Romariz, território
Portucalense, águas vertentes de rio Uíma que lhe fica a poente. Trata-se de
uma carta do mosteiro de Pedroso, onde consta que, Vimara vende a Gonçalo
Viegas a herdade que possui em Lobão, pelo preço de XV moios. (Portvgaliae Monvmenta Historica. Diplomata
et Chartae, Vol. I, Fasc. III, pág. 342):
«DLXV
Pactum venditionis praedii in vila de Lobão.
Charta autographa, ad Monasterium Petrosense pertinens, e tabulario Coninbricensis
Universitatis in Publicum Archivum delata, ibi servatur.
1079
Christus.
In dei nomine ego uimara plagiu mici per bone pacis et uoluntas ut uindo ad
uobis guisalo uenegas eredatate mea que abeo in uila de lobom de parte de mater
mea mediadate ad integro uibi illa potuerittis inuenire cun omnia sua bona
quantu in se obtinet et ad ominis adprestidum est subtus kastro portella
teredorio portugalens discurente ribu umia. et acebimus de uos in precio xv
modios tantuum nobis bene conplagui et siat de nostro iuri abrasa et in uestro
iuri tradita. Auetis uos illa firmiter et omnis posteritas uestras et si anc
ueneri uel eunerimus contra anc factum nostrum kartula ad inrunpendum et in
iudicio non autorgauerimus que pariemus illa eredidate dublada uel quantum
fuerit meliorata. die eri pride kalendas abriles. Era MaCXVII.
uimara ioaniz in anc kartula uendicionis manum mea ro+mus.
qui
preses fuerunt – pelagio zendamiriz conf. – gudesteo test. menendo test.
fromarigu test.
suario
presbiter notuit.»
No período anterior à invasão árabe, até ao século VIII, os leigos não
tinham poder nos templos. Na reconquista, para lá do fracionamento das terras,
o tomador, ou conquistador de terras aos mouros, também contribuiu para o
aumento da desorganização eclesiástica e civil que vinha já das invasões
muçulmanas. Os novos pressores
(conquistadores) iam construindo igrejas próprias nas suas propriedades,
iniciativa que aumentou devido a certa acalmia que se verificou a partir de
1064, com a reconquista de Coimbra por Fernando Magno. Deste modo, a diocese
perdeu o poder de apresentar, eleger padre, nas igrejas particulares. Já em
finais do século XI deu-se a inversão desta tendência. Os bispos procuraram
recuperar os direitos episcopais, por forma a fazer prevalecer o seu poder
sobre todas as igrejas.
Se na reconquista as terras pertenciam ao rei por direito próprio, que
as doava aos senhores da nobreza e ao clero, em recompensa pelo auxílio
prestado, a nobreza, quer por via das transmissões sucessórias por casamento,
quer por compra, foi aumentando o seu património. Porém, o clero, nomeadamente
as ordens religiosas, foi quem mais bens obteve, não só proveniente das doações
régias, mas também de compras ou permutas, assim como doações dos nobres e
fiéis em geral, para beneficiarem, os doadores, da proteção de um senhorio
eclesiástico contra as prepotências do fisco ou da nobreza, assim como
participar das boas obras dos monges. Estas doações eram, em alguns casos, uma
necessidade económica devido à falta de mão-de-obra, emigração, partilhas,
etc., e doadas para, em troca, receberem com a respetiva família rendas,
benefícios, etc., para além dos fins espirituais.
As inquirições ordenadas por D. Afonso II, continuadas por D. Afonso III
e D. Dinis, fizeram parte duma estratégia de fortalecimento do poder do rei e
centralização administrativa, com o fim de prevenir os abusos do clero e da
nobreza em relação às terras, direitos e padroados.
É, pois, neste contexto, que no início do século XII (1101), Patrina
Eriz e filhos fizeram doação à Sé de Coimbra, na pessoa do bispo D. Maurício,
da quarta parte dos seus direitos na igreja de S. Tiago de Lobão, além de
outros bens, ficando com o usufruto como colonos da dita sé. Esta doação
insere-se na estratégia de parte da nobreza da Feira, de poder desempenhar
cargos político-administrativos e ter acesso às terras de Coimbra (Mattoso,
José; Krus, Luis; Andrade, Amélia. O
Castelo e a feira. A Terra de Santa Maria nos séculos XI a XII, pág. 134).
Pode, pois, inferir-se que nesta data já existia uma igreja em Lobão.
No ano de 1202, o direito de padroado de Lobão, que estava nas mãos de
Diogo Martins e mulher Urraca Nicolau, foi cedido ao mosteiro de Grijó por 100
maravedis de ouro. O padroado veio a ficar à Mitra do Porto, por uma transação
no ano de 1229, entre o bispo do Porto, D. Sancho e o mosteiro de Grijó. A
parte daquele primeiro documento deveria ter passado com a anexação do
território Conimbricense acima de Antuã. Apesar da doação, em 1284, os filhos
de Pedro M. Brandão e Donna Sancha reivindicam, junto ao meirinho da Feira, o
direito ao padroado da igreja de Lobão. Este opôs-se, e, em 1296, uma sentença
arbitral, que já englobava outros contendores pela mesma causa, declarava que
os cavaleiros não poderiam aposentar-se, nem comer, nem apresentar na referida
igreja, devido à inexistência de quaisquer direitos. A partir de 1299, em
virtude de transação entre o bispo do Porto D. Sancho e o seu Cabido com o
prior do mosteiro de Grijó, o padroado da igreja de Lobão passou a pertencer ao
bispo do Porto. Seguem-se várias disputas sobre o direito de apresentação entre
o cabido e o bispo (1447 e 1471), mas a igreja de Lobão é anexada ao mosteiro
de Canedo, em 1474, por este estar em crise. No início do século XVI novo
litígio, num processo longo. Em 1631 o cabido fez a apresentação de Lobão e
Canedo, a que se opôs a Mitra, mas foi confirmado o padroado ao Cabido, por
sentença de 1634, e continuava esse direito em 1772.
Convém referir que os proprietários que construíam igrejas nas suas
terras, detinham sobre elas o direito de propriedade, e, desde que se invocava
o orago, o direito do senhor passava a direito de padroado hereditário, que
consistia na escolha e apresentação de um padre, para confirmação do bispo. Com
o tempo começaram os abusos, apoderando-se dos bens e rendas da igreja.
Basicamente de regalias de comedoria, aposentadoria, cavalaria e casamento.
Nas inquirições de D. Afonso II (1220), surge pela primeira vez,
oficialmente, a denominação de freguesia de Lobão (Arquivo Nacional, gaveta I,
maço 7, nº 20):
«DE HEREDITATIBUS ORDINUM IN TERRA DE SANCTA
MARIA
(…)
24) In villa de Palaçoos habet Petrossus J
casale.
(…)
24) In frigia de Labom [habet] Eglesiola IX
casalia, et totam ipsam eclesiam, Canedo VJ casalia, Petrossus J casale, Vila
coua IIIJ casalia.
(…)»
Ou
seja, 24) na vila de Palaçoos (lugar
do Paço, algures por Cainha e Quintã), tem o mosteiro de Pedroso 1 casal, 40)
na freguesia de Lobão tem o mosteiro de Grijó 9 casais e toda a sua igreja; o
de Canedo 6; o de Pedroso 1 e o de Vila Cova (Sandim) 4 casais.
O padroado ia-se alargando de geração em geração, chegando os
rendimentos a atingir, em especial nos mosteiros, números exorbitantes. Isto
deu azo a sistemáticas queixas, que levaram D. Afonso III, pela lei de 1261, a
intervir, reprimindo os abusos dos padroeiros particulares.
Lobão, ou Lobon, segundo se depreende da leitura das memórias da Ordem
dos Templários, teve relações estreitas com a Comenda de Malta e foi chamada
Comenda de Lobão em tempos muito recuados.
Neste contexto, Lobão foi pertença dos Templários em 1304, passando em
1319 para a coroa e desta para a Ordem de Cristo, no reinado de D. Dinis.
A freguesia beneficiou do foral concedido por D. Manuel I, em 10 de
fevereiro de 1514, à Feira e Terras de Santa Maria. Em 1615 era avaliada em
470$000 reis. Foi cabeça da comenda nova. Em 1623 tinha como anexas as
freguesias de Canedo e S. Vicente, e serão dessa altura os marcos divisórios
colocados nas duas freguesias anexas.
Na Corografia Portuguesa – Tomo
Segundo, pág. 166, do padre António de Carvalho, há uma referência que dá
Lobão como sendo curato e comenda da Ordem de Cristo, que no século XVIII
acusava a existência de 240 fogos. «Santiago
de Lobaõ, Curado, & Comenda da Ordem de Christo, tem 240. visinhos.»
Depois do século XVIII aparece como curato da apresentação do reitor de
Canedo, passando posteriormente a reitoria.
O historiador José Mattoso refere a existência de um denominado Castro
de Lobão, situado, presume-se, para os lados da chamada serra de Gaeta. Faria
parte de um conjunto de castros existentes na área; o de Fiães e o de Sanguedo,
e serviriam como defesas da estrada vinda do sul para o norte, que percorreria
o vale do rio Uíma. Há referência num sítio genealógico dedicado, entre outros,
à família Príncipe da Silva, de Sandim, à existência de um convento de Lobão.
A vila de Palaçoos, que nas
inquirições de 1220 vem referenciada como uma freguesia independente, na
opinião de José Mattoso, não terá acompanhado o crescimento das comunidades em
redor, acabando por ser absorvida por Lobão. De referir ainda que, dos vários
núcleos que integravam a paróquia de S. Tiago de Lobão, constava a existência
da aldeia de Lobão, como a parte mais antiga da antiga “villa” principal de Lobão, deixando esta denominação mais tarde,
quando se passou a chamar Cimo de Vila.
Lobão estava referenciado por grandes espaços; Lobão de Susão (de cima)
e Lobão de Jusão (de baixo), constituídos especialmente por vilas, casais,
paços, quintãs, etc., os quais, ao longo dos séculos XIV a XVI se vão
constituindo em pequenos lugares, que mais tarde vão ser anexados por outros de
maior dimensão.
Porém, a partir do século XVIII, o crescimento demográfico ditou o
inverso; surgiram novos lugares em função da sua desanexação de outros já
considerados demasiado grandes. A estrada da Chá, que desde o século XI serviu
de passagem aos peregrinos em direção a Santiago de Compostela, terá
pressionado o povoamento, o qual se foi estendendo em direção aos lugares da
Igreja e Corga, alargando-se a outras áreas; processo que foi marcando a
paisagem humana, anexando ou individualizando os pequenos núcleos rurais.
Entre os séculos XI e XIII, eram proprietários de terras em Lobão: as
ordens religiosas, a nobreza e o rei. O mosteiro de Grijó contribuiu muito para
o desenvolvimento da freguesia, uma vez que os monges beneditinos foram, na
época grandes inovadores das técnicas agrícolas e impulsionadores da economia
em geral.
Relatos de 1940 dão conta que o recenseamento geral acusa a existência
de 632 fogos, albergando 3.047 almas, com vocações e possibilidades diferentes.
Neste ano foi reparado o edifício escolar dos Condes de S. Tiago de Lobão, a
Junta mandou fazer a canalização da água para o chafariz do Lugar da Igreja,
construção dos lavadouros e reparação da estrada Corga – Ponte da Chã.
Outros melhoramentos deveram-se a iniciativas de particulares:
reconstrução da residência paroquial pelos habitantes da freguesia, auxiliados
pela Condessa de S. Tiago de Lobão, ajardinamento do adro a expensas do padre
Rufino Pinto de Almeida, reparação dos sinos a expensas de José Augusto de
Oliveira. No sector de beneficência merecem especial destaque os nomes dos
Condes de S. Tiago de Lobão e o Comendador Francisco Henriques da Costa.
G
A Ordem de Malta ou
Cavaleiros Hospitalários, nasceu em 1113 (bula Piae Postulatio Voluntatis, Pascoal II), pela necessidade de
assistência e acolhimento a peregrinos e viajantes, no contexto das cruzadas do
Oriente. Oficialmente designada Ordem Soberana e Militar de S. João de
Jerusalém, de Rodes e de Malta, esta ordem esteve muito ligada a Lobão. Já cá
estava instalada no século XIII e era apresentada pela comenda de Rio Meão,
como se constata das inquirições de D. Dinis, de 1288 (Ribeiro, José Anastasio Figueiredo de; Nova História da Ordem de
Malta, Parte II, § CCVII, pág. 305):
«Resta mais lembrar como se achou no Julgado
da Feira, na Terra de Santa Maria, e diceram mais em a freguezia de Santiago de
Lobon, que na Aldêa chamada Bertal, ou Bretal, havia huma Quintãa, a qual era
herdade da mesma Ordem de Malta (na Comenda de Rio-meão, em consequencia da
Doação de Fr. Fernão Peres, já referida acima para o fim do § 145.) e de Martim
Peres, que era homem lavrador; mas com tudo a traziam por onrra com toda essa
aldeya, sem entrar nella o Mordomo, e só o Porteiro, ainda que pagavam a voz,
coyma, e omezio: e isto em razão da honra, que tinha, quando era de filhos
dalgo. Devassou-se pois tudo, salvo o do Hospital, mostrando os Privilegios,
por que se defendiam: pelo que chegando João Cesar ao dito Julgado, em a
freguesia de Lonbo (pela facil mudança, ou troca do til sobre hum dos õo) no
logar chamado Bertal, ou Bercal, diz achou en esse Róól, que per iuizo tinham
devassado a parte de Martim Peres; e por isso mandou da parte d’ElRei fosse
devassada, e entrasse ahi o Mordomo &c., salvo se fosse de homem filho
dalgo.»
Os Templários ou Ordem dos
Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo de Salomão, também conhecida como
Cavaleiros Templários, Ordem do Templo, era uma ordem religioso-militar,
fundada em resultado da Primeira Cruzada de 1096, estabelecendo-se
originalmente no monte do Templo, onde existira o Templo de Salomão (atual
mesquita Al-Aqsa), Jerusalém, e que
veio para a Europa. Na Península participou ativamente na reconquista em apoio
aos reis, sendo recompensada com doações e outros benefícios. Era comum o rei
ceder aos Templários os rendimentos de igrejas ou mosteiros, transformando-os
em comendas. Neste contexto, Lobão foi pertença dos Templários em 1304,
passando em 1319 para a coroa e desta para a Ordem de Cristo, no reinado de D.
Dinis.
Foi esta ordem muito invejada por parte dalgumas coroas europeias,
devido à sua grande riqueza acumulada, sendo alvo de acusações falsas, que
levaram à sua extinção no concílio de Viena de 1311. Os bens da ordem, em
Portugal, corriam o risco de se perderem para o papa, e, D. Dinis, preocupado
com estes bens, fruto das doações régias, reivindicou o direito de retorno.
Criou para isso a Ordem de Cristo,
reivindicando para esta os bens dos Templários em Portugal, o que o papa João
XXII acabou por consentir pela bula «Ad
ea exibus», de 14 de março de 1319, atribuindo à Ordem de Cristo a regra de
S. Bento.
Ainda hoje são visíveis alguns marcos, com o símbolo da ordem dos
Templários/Cristo em baixo relevo, que delimitam o território de Lobão com as
freguesias limítrofes.
Economia
Como na generalidade dos povos, a agricultura foi a principal atividade
económica da freguesia ao longo dos tempos. Pinho Leal, no seu Portugal Antigo
e Moderno, refere-se a Lobão como «terra
bonita e fertil», o que pressupõe propícia à atividade agrícola. Os romanos
trouxeram novos processos e produtos, os árabes, pela introdução de novas
técnicas de irrigação (noras e azenhas), deram-lhe maior incremento. Entre os
séculos XI e XIII, face à melhoria das condições técnicas e ao aumento das
áreas de cultivo (arroteamentos), deu-se novo aumento da produção agrícola.
Produzia-se milho, trigo, centeio, linho, vinho, frutas, etc. Em complemento à
produção de cereais, havia a criação de animais domésticos; de capoeira,
suínos, ovinos, caprinos, bovinos, etc., e seus derivados; leite, queijo,
manteiga, carne, peles e lã. Para além de suporte à alimentação, o gado bovino
também era fundamental para os trabalhos agrícolas e para o transporte dos
produtos. Com especial incidência a partir da última fase do século XVII até ao
século XIX, Lobão manteve-se com bons índices de produção agrícola e de
crescimento. Porém, na parte final já se notava algum decréscimo. As duas
grandes guerras vieram alterar mentalidades e o panorama económico, com o
ascendente da industrialização. Depois, as emigrações para a América e para a
Europa, a guerra colonial, o gradual surgimento de novas atividades ligadas à
indústria, comércio e serviços, levaram ao lento abandono das atividades
agrícolas, e o panorama atual na freguesia é de abandono quase generalizado da
agricultura.
Direta ou paralelamente ligadas à agricultura havia outras atividades
que lhe eram complementares ou serviam de suporte; é o caso da moagem dos
cereais, da transformação do linho, dos canastreiros, carpinteiros, pedreiros,
ferreiros, etc.
O crescimento populacional fez aumentar o desemprego e a procura de
alternativas, levando a que alguns encontrassem trabalho noutras atividades,
como na reparação de estradas, nas pedreiras, etc. Uma profissão invulgar era a
de pinhoeiro,
que chegou a atravessar várias gerações. Era um trabalho duro e penoso, que
consistia na apanha das pinhas de pinheiro bravo, ainda verdes e entre setembro
e abril do ano seguinte. Deslocavam-se entre 3 a 4 pessoas em direção à serra,
num raio de 20 km, a pé e com burricos de carga. As pinhas recolhidas eram,
entre maio e agosto, colocadas a secar nas eiras, para se lhes retirar o
pinhão, que depois era vendido. Outro método de granjear dinheiro era na
indústria do breu. Consistia em retirar, das pequenas partes de cor avermelhada
das toqueiras dos pinheiros anteriormente abatidos, o produto resinoso
resultante da combustão, o qual servia para calafetagem dos navios e para
acender o lume. As pessoas que se dedicavam a esta profissão eram conhecidas
por breeiros.
Epíteto por que, com o de pinhoeiro,
eram conhecidos os habitantes de Lobão.
A atividade volfrâmica, no contexto da 2ª guerra mundial, teve algum
impacto em Lobão. Ocupava lavradores, jornaleiros, desempregados, etc. Os
lavradores mais abastados chegaram a utilizar máquinas a gasóleo/petróleo na
exploração de poços. Foi uma experiência transitória e com pouco sucesso. Estes
novos exploradores, «novos-ricos», foram responsabilizados pela alteração da
ordem hierárquica tradicional e de serem grandes consumistas. Com o fim da
guerra, a maioria acabou na miséria.
À semelhança do que acontece um pouco por todo o lado, atualmente estão
instalados em Lobão alguns estabelecimentos industriais e comerciais,
abrangendo várias áreas de negócio, exemplo: padaria, têxtil, metalomecânica,
aquariofilia, malhas e confeções, etc.
Acessibilidades
Ao nível de acessibilidades, o território de Lobão é cruzado por duas
vias importantes; as Estradas Nacionais nº 223 e 326. Estas vias permitem a
ligação ao litoral, como ao interior, sendo Lobão um ponto de cruzamento entre
estas vias e também um ponto de passagem para quem se dirige para Santa Maria
da Feira e para os concelhos de Castelo de Paiva, Arouca e Gondomar.
Posicionada entre a A1 e a A23, muito próxima do nó de acesso a esta, a
situação geográfica da freguesia revela-se duma importância estratégica, quer a
nível concelhio, quer a nível regional. Por Lobão circulam milhares de veículos
que servem de suporte ao comércio, indústria, agricultura e serviços das
freguesias do nordeste feirense e dos concelhos atrás citados.
Saúde,
Educação, Cultura, Desporto e Ação Social
Ao nível da saúde, a povoação é servida por uma Unidade de Saúde, um
Policlínica e uma Farmácia.
Ao nível da educação possui vários estabelecimentos de ensino, os quais
permitem a formação desde jardim-de-infância até ao 3º ciclo de aprendizagem.
No domínio cultural há a registar as coletividades de recreio e
cultura, como a Banda de Música de S. Tiago de Lobão (1916), Rancho Folclórico
de S. Tiago de Lobão (1960) e Rancho Regional de S. Tiago de Lobão (1993).
No domínio desportivo existem: a Sociedade Columbófila de S. Tiago de
Lobão (5/12/1967), a Associação Desportiva e Cultural de Lobão (21/3/1978 –
futebol sénior, júnior, juvenil e iniciados) e Centro Incentivo Cultural
(8/9/1981 – atletismo, badminton, futsal distrital e amador, ginástica de
manutenção).
Socialmente são oferecidos serviços por duas instituições. A primeira é
o Centro Social de S. Tiago de Lobão (3/8/1988), com serviços de Jardim de
Infância, Creche, ATL, Centro de Dia e Apoio Domiciliário. A segunda é a Obra
do Frei Gil (26/10/1957), que acolhe crianças sem família ou abandonadas e que
funciona no Solar do Ribeiro, oferta do comendador Francisco Henriques da
Costa.
Igreja
Paroquial
A primitiva igreja paroquial de Lobão terá sido construção anterior a
1101, data em que Patrina Eris e família fizeram doação da quarta parte dos
seus direitos à Sé de Coimbra. Possivelmente seria uma pequena capela, como era
comum na época. Não se conhece o local onde foi edificada, mas presume-se que
se situaria na área da atual, junto à estrada da Chã à Corga, o caminho dos
peregrinos de S. Tiago. Patrina Eriz era casada com Paio Vitisciliz. Segundo
Mattoso, a família Vitisciliz era oriunda do norte do Douro e terá participado
na reconquista, acabando por se instalar na Terra de Santa Maria. Poderá ter
sido a família de Patrina quem construiu a igreja, mas também não pode ser
posta de parte a possibilidade de ter sido a família paterna de Patrina Eris, família
Marnel, possivelmente seu tio Paio Gonçalves, que não teve filhos e doou os
seus bens aos sobrinhos.
Quando da doação, já o orago S. Tiago tinha sido invocado. Terá sido
esta igreja que marcou a criação da paróquia de Lobão que, acrescentado o orago
ao topónimo da localidade, designava a paróquia, num processo comum no reino.
A escolha de S. Tiago como orago da freguesia parece ter assentado em
dois fatores: estava-se num tempo de intensa luta contra os muçulmanos e Lobão
era atravessado por uma via que, durante séculos, foi passagem de devotos de S.
Tiago.
Sendo na agressividade da luta que se invocava muito S. Tiago, «o mata mouros», parece certo que sendo
os libertadores destas terras os construtores da igreja, tenham elegido o
apóstolo como patrono, recorrendo aos favores do santo protetor. Por outro
lado, passando na localidade os peregrinos em direção de Compostela, era natural
que fizessem as suas preces a S. Tiago na igreja que lhes ficava no caminho, e
que a população tivesse adotado o santo como padroeiro.
As peregrinações tinham para o homem medieval, como principal
finalidade, satisfazer as suas devoções de cristão, cumprindo promessas e
remindo pecados, permitindo-lhe também alargar os horizontes limitados em que
vivia, observando novas terras, entrando em contato com outras gentes e
procurando a aventura na viagem.
Eram vários os caminhos destas peregrinações, os quais dependiam: do
ponto de partida, dos santuários e dos lugares que os peregrinos escolhiam, ou
que eram obrigados a passar. Um dos eixos viários mais importantes entre
Coimbra e Porto, era a estrada romana, cujo traçado era praticamente o da EN-1.
Porém, a parte final do percurso era difícil e bastante morosa. Assim, a partir
de Souto Redondo (S. João de Ver), seguiam pela estrada que, desde a época
romana, ligava a Feira ao Porto Novo (Canedo), passando por S. Jorge até Lobão,
entrando pela Chã em direção à Corga, seguindo por Canedo, Carvoeiro e Lever.
Só com o aumento da importância da cidade do Porto, a partir do século XIII, se
passou a utilizar todo a trajeto até esta cidade.
No percurso das peregrinações havia várias casas que acolhiam os
peregrinos, concedendo-lhes um leito para descansar e também uma refeição, ou
os produtos para a sua confeção. Se tais locais já existiam, podiam obrigar ao
desvio no trajeto, ou, se não, tais casas nasciam por iniciativa dos senhores
locais. O topónimo «Albergada» pode ser referência a um lugar de Cimo de Vila,
na estrada da Chã à Corga, que devia estar ligado à existência, nesta zona, de
um local de repouso para os peregrinos, pelo menos entre os séculos XI e XIII.
Naturalmente que da primeira igreja, quer mesmo da segunda, já nada
existe. O aumento populacional no país também se terá sentido em Lobão, havendo
por isso necessidade de se construir uma nova. Nas inquirições de D. Afonso III
(1251) refere-se que na freguesia de Lobão o rei tinha 3 casais em Paçô,
governados pela igreja: «Item de
freguesia de Lobom sunt tria casalia domini Regis que gubernant ipsam ecclesiam
de Lobom in Paaciolo», e nas de D. Dinis (1288) é referido que D. Afonso
III, seu pai, tinha doado esses 3 casais de Paçô para uma capela. Na época,
capela podia ser qualquer igreja, mesmo paroquial, e, tendo D. Afonso III sido
entronizado rei em 1248, a data da construção da nova igreja terá sido a partir
dessa data. A documentação aponta para a sua edificação na envolvente da igreja
atual, nos passais próximos com a “estrada que vai para Feira”. Seria
constituída por capela e corpo da igreja.
Não se conhece a data exata da edificação da igreja atual. No seu
interior, numa coluna do lado esquerdo do altar de Nª Sª de Fátima, está
inscrita a data de 1646, que pode ser o marco da sua construção. Durante a
segunda metade do século ainda a igreja estava em acabamentos e, pela sua
envergadura, sabe-se que poderia levar dezenas de anos a sua construção. O
local da sua edificação parece indicar algum afastamento em relação à anterior,
e a mudança para a igreja nova ter-se-á dado antes de outubro de 1712,
continuando a funcionar a velha para enterramentos. O primeiro registo de
enterramento na nova igreja é de 23 de novembro de 1713.
Esta igreja atingiu grande fulgor ao longo do século XVIII. Era uma das mais belas da região. É notória a riqueza da talha dourada pertencente à transição do século XVII/XVIII. Com cinco altares; o altar maior onde está o Santíssimo Sacramento, com as imagens de S. Tiago, S. António e o Senhor Ressuscitado; o altar da Sª do Rosário com a sua imagem, S. José e o Senhor Morto; o altar de S.ta Ana; o altar de S. Sebastião com a imagem do santo, S. Francisco das Chagas e S. Francisco Xavier; o altar do Santo Cristo com a imagem de Cristo Crucificado, Nª Sª das Dores, S. João Evangelista e o Menino Deus. Existe ainda o altar de Nª Sª de Fátima, cujo douramento da sua talha foi feito cerca de 1959. Entretanto houve alteração de denominação de alguns altares, mudança de imagens entre eles e mesmo algumas foram retiradas.
A torre foi edificada em finais do século XVIII, princípios do século
XIX, altura em que teve o primeiro relógio. No início do século XX cresceu em
altura e de forma assinalável.
Gerida pelo comendador que se servia do seu grande rendimento, em
meados do século XIX a situação da igreja era deplorável face à extinção da
comenda, em 1825, e a alienação de grande parte dos seus bens, tendo passado a
gestão para a responsabilidade da junta paroquial e do regedor. Apenas em 1859
se operou a uma enorme requalificação.
Os Condes de S. Tiago de Lobão também promoveram melhoramentos
assinaláveis: refundição dos sinos (1894); reforma e estuque (1899); douramento
geral da igreja e dotando-a de objetos de culto, compra de terreno, ampliação e
reforma do cemitério, melhoramento das sacristias e construção do segundo andar
(1907); compra de terreno, construção e mobiliário das escolas dos dois sexos
(1911); compra da residência e passal (1917). Gasto superior a 16.000$00 (placa
de homenagem da junta de freguesia, no exterior da sacristia norte).
Na década de 1980 a reforma consistiu na ampliação do lado norte, R/C e
1º andar, com 8 amplas salas para servir a catequese e encontros de grupos de
pastoral.
Personalidades
Recebeu o título de Visconde de S. Tiago de Lobão em 10 de março de
1906 e a 7 de março de 1908 foi publicado o decreto que o agraciou com o título
de Conde (Nobreza de Portugal, volume
III, págs. 306/307). Foi o último condado concedido por D. Carlos e o primeiro
diploma assinado por D. Manuel II, em 22 de fevereiro.
!
Merece também destaque neste pequeno apontamento o Comendador Francisco Henriques da Costa. Nasceu a 5 de janeiro de
1903 e faleceu em 30 de janeiro de 1975. Oriundo duma família abastada, nem por
isso deixou de emigrar para o Brasil, empregando-se no hotel Avenida, no
Recife. Aí amealhou economias suficientes para se tornar empresário e dono do
próprio hotel. Lá casou e se divorciou sem deixar filhos. A parte final da sua
vida foi um vaivém constante entre o Brasil e Portugal. Orientou as suas
preocupações, em relação à sua terra natal, no melhoramento de infraestruturas
e na ação social. Destaque para a eletrificação do lugar que o viu nascer
(Ribeiro, 1950/51), construção do salão paroquial (1953), doação do terreno
para uma nova escola com 6 salas de aula (1960), etc. Na ação social, desde
1937 fez distribuir a importância de 1.000$00 (soma considerável para a época)
pelos pobres da freguesia, como consoada. Em 1946 ofereceu 4.000$00 para a
cantina escolar para apoio às crianças das escolas, e, em 1957, doou o seu
solar e quinta, no lugar do Ribeiro, à obra do frei Gil, para alimentar,
instruir e ajudar as crianças abandonadas. Foi agraciado com honra de
Comendador em 1960. Conheci o Comendador, pessoa com quem tive o privilégio de
me relacionar em alguns momentos, no âmbito da pastoral do padre Adriano.
!
Uma outra personalidade da freguesia, foi figura quase lendária, mas
por motivos bem diferentes. Trata-se de José
Bernardino Tavares. Nasceu numa época em que era normal as crianças
nascidas fora do casamento, por razões de ordem social ou pobreza, serem
colocadas na roda das vilas, cidades,
conventos, ou à porta de casas particulares abastadas. E assim aconteceu na
manhã de 3 de fevereiro de 1822. À porta de Rosa Bernardina Tavares, no lugar
da Igreja, estava uma criança do sexo masculino, envolta em trapos, dentro duma
cesta e ao frio. Esta senhora acolhe-a e a adota como filho.
Rosa Bernardina era solteira, filha de importantes proprietários e irmã
de Ana Bernardina, casada com José Oliveira Figueiredo, proprietário, médico e
homem de grande intervenção cívica na freguesia. Um casal sem filhos. No
entanto, a conduta deste médico e da família não eram as mais apropriadas. É no
seio desta família de adoção que se vai moldar a personalidade desta criança,
adquirindo traços comportamentais que irão influenciar as suas relações em
sociedade.
Ainda com cerca de 17 anos (1839), é condenado juntamente com o seu tio
e mais duas pessoas, por andar à pancada com uns vizinhos. Para não serem
presos, tiveram que pagar fiança.
Tirando este facto, a sua vida não teve grandes sobressaltos até à
morte da tia Ana (8/4/1850) e sua mãe adotiva Rosa Bernardina (20/10/1856), das
quais foi herdeiro, com obrigação testamentária da tia de fazer os bens da
alma, e, em conjunto com o padre da freguesia, distribuir 2.000 reis pelos
pobres. Exigência que, associada a outros fatores, viria a criar futuros
atritos entre ambos.
De facto, quando morre a mãe, acentuam-se os desentendimentos. O
pároco, no assento de óbito, escreve: «Rosa
Bernardina Tavares morre 80 anos, tem feito escritura a José Bernardino
Tavares, cujo este não a quis apresentar talvez por se querer evadir os
sufrágios com que foi onerado, de que fiz este assento e assino.»
De qualquer forma, em 1854, José Bernardino apresentava bens que faziam
dele um dos maiores proprietários de Lobão.
Paralelamente à vida de agricultor, José Bernardino dedicava-se também
aos negócios, e por aí começaram a aparecer queixas por incumprimento ao
pagamento de dívidas contratadas.
As relações com o padre, José Caetano da Mota, da casa da Dona,
foram-se agravando à medida que Bernardino se tornava um fora da lei. O
problema também tinha a ver com dívidas ao padre, pois estaria em causa um
empréstimo feito por Rosa Bernardina e José Bernardino, em 1850. Do púlpito, ou
mesmo fora dele, o reitor censurava-o e ao seu grupo, gerando resposta imediata
alguns: «tem chegado ao excesso de
responder dentro da igreja de fazerem assuada, causando o maior escândalo, não
respeitando o ato e a Casa do Senhor.»
O pároco também não era muito benquisto pelos seus
conterrâneos/paroquianos, por se negar a determinados atos processuais.
Entretanto José Bernardino, em sua casa, na quinta que mais tarde se
chamaria “Vale da Mó”, no lugar da Igreja, reunia-se assiduamente com o seu
bando, que seria constituído por 8 a 10 pessoas. Na noite de 6 para 7 de
janeiro de 1855 a casa do reitor é assaltada por arrombamento das portas à
machadada e deitado fogo a 3 currais, que ficaram reduzidos a cinzas,
resultando deles apenas paredes e restos de madeira queimados, cujos prejuízos
foram avaliados em cinquenta mil reis. Feitas as averiguações, José Bernardino
é detido a 21 de maio e, no dia seguinte, o tribunal da Relação do Porto
acusa-o como um dos principais autores do crime. É julgado e condenado a 3 anos
de prisão pelo tribunal da Feira. Interposto recurso para a Relação, saiu em
liberdade sob fiança, em junho do ano seguinte. Continua os seus negócios, mas
enfrenta novas dificuldades. Entre pedidos de empréstimo para remir execuções,
hipotecas e penhoras, em 1859 estava novamente na cadeia da Feira, supostamente
em consequência de nova ação movida pelo padre (27/2/1857).
Por razões de segurança é transferido para a cadeia da Relação
(16/1/1861) e aí travou conhecimento com Camilo Castelo Branco.
Regressado da prisão, os anos 62/63 não terão sido agitados, mas em
janeiro de 1864 é ferido em resultado do seu envolvimento em duas rixas. Mais
tarde, na madrugada de 4 de abril, é encontrado morto, tendo-se apurado
posteriormente, e baseado em relatos orais, que fora morto por estrangulamento.
No registo de óbito, o padre José Caetano da Mota escreveu: «José Bernardino de 42 anos, filho natural de
Rosa Bernardina Tavares, solteiro, lavrador, acompanhamento 10 padres, havendo
4 falta de missa; não constam disposições apesar de constarem vários filhos
naturais. Apareceu morto, pelas 5 horas da manhã numa estrada que vai para
Carvoeiro, entre o lugar da Corga e o lugar da Igreja desta freguesia de
Santiago de Lobão.»
Da sua descendência, pelo que se conhece, teve duas filhas. Uma delas,
a Margarida, herdou as suas propriedades, casou, e, levando uma vida de luxo
com o marido, acabaram por vender todos os bens ao desbarato. O marido foi para
o Brasil, onde morreu e ela acabou na miséria com os filhos, a mendigar para
matar a fome.
Na memória coletiva do povo da região ficou a ideia de um homem valente
que, à semelhança do José do Telhado, contemporâneo, roubava aos ricos para dar
aos pobres.
O que me leva a resumir aqui a vida desta personagem, é o facto de ele
se encontrar com Camilo Castelo Branco na Cadeia da Relação do Porto. Num
pequeno capítulo em “As Memórias de
Cárcere” Camilo descreve aquilo a que chama “uma historieta alegre”. Na base da historieta está o suposto
romance entre o abade e a sua criada, e o feitiço de Bernardino, que levou ao
rapto desta, culminando no assalto à residência do padre e a sua resistência
heroica à prisão. Provavelmente o novelista não terá averiguado a veracidade
dos factos e ter-se-á cingido ao relato de Bernardino. Depois, a imaginação e
criatividade do escritor fizeram o resto. Estava Camilo bem longe de imaginar o
fim trágico deste homem.
Camilo Castelo Branco terá encontrado em José Bernardino Tavares um
homem bom. Talvez o tenha achado uma vítima das injustiças do Sr. Reitor, daí
ter pedido a sua libertação ao rei D. Pedro V, em visita à prisão nessa altura,
o qual anuiu ao seu pedido. D. Pedro morreu logo de seguida sem atender ao seu
pedido, mas D. Luís, quando da sua aclamação, perdoou alguns meses e José
Bernardino pôde regressar à liberdade antes de cumprir a pena.
☔
Como nota final quero apresentar os meus agradecimentos ao prof. Carlos Dias, autor de “Lobão – Terra do deus Maior”, de cujo livro retirei algumas notas que me permitiram compilar estes apontamentos.