sexta-feira, 10 de agosto de 2018

A fundação de Portugal – A origem do nome. Tronco e linhagem real de que descendem os Reis. Como D. Egas Moniz criou D. Afonso Henriques, o milagre atribuído a N. Senhora e do defeito com que nascera. Factos e lendas.

Há quem considere que a era da independência de Portugal, deve contar-se a partir da data da morte de Afonso VI de Castela, embora por longos anos esta independência tenha sido mais uma ambição do que um facto, ambição essa traduzida por um pensamento que os acontecimentos posteriores impediram que se concretizasse.
A expressão geográfica de Portucale englobava o território entre Minho e Mondego, que fazia parte da Galiza, e a constituição do condado e o seu desmembramento do conjunto galego, obedeceu inicialmente apenas a motivos de ordem política, porém, terá sido este desmembramento a causa de uma ambição de independência. Da parte dos galegos existia solidariedade nacional e, com a Galiza dividida politicamente em duas metades, restava saber qual delas assumiria sobre si um sentimento independentista. Entre as várias causas que concorriam para este papel, ao condado Portucalense, porventura, acima de todas, terá sido o merecimento pessoal do conde D. Henrique. Circunstância decisiva, numa época medieval em que, da anarquia sistemática da constituição da sociedade, dependiam os seus destinos muito da perspicácia ou bravura dos seus chefes.
Portanto, para se perceber a origem da fundação de Portugal, de que o primeiro Rei foi D. Afonso Henriques, temos que recorrer a acontecimentos de alguns tempos atrás, indo até ao tempo de D. Afonso de Castela, o sexto, chamado o Emperador, que tomou Toledo aos mouros, o qual se ocupava em guerrear «os inimigos da nossa Santa Fé», que então ocupavam a Espanha. Empresa famosa que movia na devota cavalaria, «Grandes senhores e outras gentes Estrangeiras», que vinham em busca de honra e louvor, para, «em sua companhia (de D. Afonso VI), por serviço de Deus, e salvação das almas, participarem nas suas santas empresas». De entre essas «gentes Estrangeiras» vieram três muito principais: o conde D. Reimão de Tolosa, grande senhor em França, o conde D. Reimão de S. Gil, de Proença, e o conde D. Henrique, sobrinho do conde de Tolosa, segundo filho de uma sua irmã e do rei da Hungria.
Estes condes, andando em companhia do rei D. Afonso na guerra contra os mouros, querendo este honrá-los pelos seus cometimentos, remunerar os seus nobres feitos e trabalhos na guerra contra os “infiéis”, determinou casar com eles três filhas suas: D. Urraca casou com o conde Reimão de Tolosa, de quem nasceu D. Afonso de Castela, também denominado Emperador; D. Elvira, casou com o conde D. Reimão de S. Gil; e D. Tareja casou com D. Henrique, sobrinho do conde de Tolosa, dando-lhe o Emperador em casamento, Coimbra com toda a terra até o castelo de Lobeira, uma légua além de Pontevedra, na Galiza, toda a terra de Lamego e Viseu, que seu pai, o rei D. Fernando e ele ganharam nas comarcas da Beira. Deu-lhe todo este território, chamado condado Portucalense, com a condição que o conde D. Henrique o servisse, fosse às cortes e, chamado e sendo caso que fosse doente, ou tivesse outro legítimo impedimento, lhe mandasse às cortes «um dos mais principais de sua terra a seu serviço com trezentos de cavalo», concedendo-lhe ainda, a mais terra que conquistasse aos mouros e, tomando-a, a acrescentasse ao seu condado, o que ele e seus sucessores fizeram, não sem grandes trabalhos e arriscados perigos, como mais adiante, em outras publicações, se verá. E não querendo o conde D. Henrique cumprir com isto, qualquer que fosse o rei de Castela, podia tomar a terra e mais toda a outra que o dito conde e seus sucessores tivessem conquistado, e fazer dela o que lhe aprouvesse, como de coisa sua.
A causa por que o condado se chamou Portucale, e depois Portugal, teve a ver com um assentamento localizado na foz do rio Douro (Cale), que, por aí aportarem mercadores e navios, foi povoado, outrossim, por pescadores pelo rio fora ancorarem e estenderem as suas redes noutro local mais conveniente, se povoou estoutro lugar que se chamou Portus, depois cidade principal, donde juntando estes dois nomes, terá derivado o nome de Portugal.
Era costume naquele tempo, que todos os filhos de reis se chamassem reis, assim como as filhas rainhas, mesmo os filhos bastardos, assim sendo, apesar de que D. Afonso de Castela tivesse dado o condado de Portugal ao conde D. Henrique, porém ele nunca se chamou rei, embora a sua mulher, filha de D. Afonso, se chamasse rainha, nem mesmo o filho, o príncipe D. Afonso, cuja geração veio de reis, só a partir da vitória na grande batalha de Campo d’Ourique, contra cinco reis mouros, onde foi levantado por Rei de Portugal, passou a ser tratado por esse título. Da parte do pai, D. Afonso Henriques era neto do rei da Hungria, da parte da mãe era neto de D. Afonso VI de Castela. Deste conde D. Henrique e da rainha D. Tareja descendem os Reis de Portugal.
Casados, o conde D. Henrique com D. Teresa, logo durante o período da gravidez, o seu grande privado, D. Egas Moniz, nobre fidalgo, que com ele viera de França e a quem ele fizera muitas mercês, pediu-lhe que «qualquer filho ou filha que a Rainha parisse», lho desse para criar. Veio a nascer (1094) uma criança «grande e formosa», mas com as pernas «tão encolhidas», que todos os Mestres julgavam que jamais delas poderia recuperar.
Egas Moniz, assim que soube do nascimento, cavalgou a toda a brida para Guimarães, pedindo ao conde que lhe desse o filho nascido como prometera, para o criar. O conde lhe disse que não quisesse tomar tal encargo, pois o seu filho nascera «por seus pecados tolheito de modo, que todos tinham que nunca guareceria», e nunca seria homem. Muito pesaroso D. Egas, disse: «Senhor, antes cuido eu que por meus pecados aconteceu; mas a Deus aprouve tal ventura, dai-me todavia vosso filho, quejando quer que seja». Posto que D. Henrique tivesse grande acanhamento pelo bem que queria a D. Egas, «de o encarregar de semelhante criação», para o comprazer lho entregou. D. Egas Moniz, ao ver uma criança tão formosa e com tal «aleijão», com muita compaixão dela, confiando muito que Deus a poderia tornar numa criança normal e saudável, a tomou e fez criar, com tanto cuidado e amor como se fora uma criança sã.
Tendo já D. Afonso 5 anos, estando uma noite D. Egas Moniz a dormir, lhe apareceu nossa Senhora e disse: «D. Egas, dormes». Acordando ele a esta voz e visão, perguntou: «Senhora, quem soes vós?» Ela respondeu: «Eu sou a Virgem Maria, que te mando que vás a um tal lugar», indicando-lhe o tal lugar, «e faze aí cavar e acharás aí uma igreja, que em outro tempo foi começada em meu nome, e uma imagem minha; faze correger a Imagem e a igreja feita em minha honra; isto feito, farás aí vigília poendo o Menino que crias sobre o altar, e sabe que guarecerá e será de todo são, e não menos te trabalha daí avante de o bem guardar e criar, como fazes; porque meu filho quer por ele destruir muitos inimigos da fé».
Logo pela manhã se foi Egas Moniz ao lugar que lhe fora dito, mandando aí cavar e, achando a igreja e Imagem, fez tudo o que nossa Senhora lhe mandara, recuperando o Menino do «aleijão» como se nunca tivera tal defeito.
Perante este milagre, D. Egas Moniz deu muitas graças e louvores a Deus, criando a partir daí a criança com muito mais cuidado, tendo sido sempre seu aio até que seu pai faleceu em Astorga, numa idade em que ele já supria nas guerras as fadigas e trabalhos de seu pai. Em razão deste milagre foi depois feito nesta igreja o mosteiro de Cárquere (Resende).
Diz também Duarte Galvão, autor da Crónica de El-Rei D. Afonso Henriques, que embora alguns contem que ele nasceu além-mar e foi batizado no rio Jordão, na documentação que por certo terá consultado, achou mais ser verdade o seu nascimento, nos factos acima relatados.
Fontes:
Crónica d’El-Rei D. Afonso Henriques por Duarte Galvão, Biblioteca de Clássicos Portugueses (Volume LI)
História de Portugal por J.P. Oliveira Martins, Tomo I – Lisboa Livraria Bertrand (1882)

5 comentários:

  1. Parabéns pela partilha de um acontecimento histórico de grande relevo, por vezes adormecido na nossa memoria.

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    1. Obrigado!
      É bom saber que há pessoas que se interessam pela nossa História.

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  2. É sempre bom saber algo sobre a nossa história

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  3. É importante conhecermos a nossa história.

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