Há quem considere que a era da independência de
Portugal, deve contar-se a partir da data da morte de Afonso VI de Castela,
embora por longos anos esta independência tenha sido mais uma ambição do que um
facto, ambição essa traduzida por um pensamento que os acontecimentos
posteriores impediram que se concretizasse.
A expressão geográfica de Portucale englobava o território entre Minho e Mondego, que fazia
parte da Galiza, e a constituição do condado e o seu desmembramento do conjunto
galego, obedeceu inicialmente apenas a motivos de ordem política, porém, terá
sido este desmembramento a causa de uma ambição de independência. Da parte dos
galegos existia solidariedade nacional e, com a Galiza dividida politicamente
em duas metades, restava saber qual delas assumiria sobre si um sentimento independentista.
Entre as várias causas que concorriam para este papel, ao condado Portucalense, porventura, acima de
todas, terá sido o merecimento pessoal do conde D. Henrique. Circunstância decisiva,
numa época medieval em que, da anarquia sistemática da constituição da
sociedade, dependiam os seus destinos muito da perspicácia ou bravura dos seus
chefes.
Portanto, para se perceber a origem da fundação de
Portugal, de que o primeiro Rei foi D. Afonso Henriques, temos que recorrer a
acontecimentos de alguns tempos atrás, indo até ao tempo de D. Afonso de
Castela, o sexto, chamado o Emperador, que tomou Toledo aos mouros, o qual se
ocupava em guerrear «os inimigos da nossa
Santa Fé», que então ocupavam a Espanha. Empresa famosa que movia na devota
cavalaria, «Grandes senhores e outras
gentes Estrangeiras», que vinham em busca de honra e louvor, para, «em sua companhia (de D. Afonso VI), por serviço de Deus, e salvação das almas,
participarem nas suas santas empresas». De entre essas «gentes Estrangeiras» vieram três muito
principais: o conde D. Reimão de Tolosa, grande senhor em França, o conde D.
Reimão de S. Gil, de Proença, e o conde D. Henrique, sobrinho do conde de
Tolosa, segundo filho de uma sua irmã e do rei da Hungria.
Estes condes, andando em companhia do rei D. Afonso
na guerra contra os mouros, querendo este honrá-los pelos seus cometimentos,
remunerar os seus nobres feitos e trabalhos na guerra contra os “infiéis”,
determinou casar com eles três filhas suas: D. Urraca casou com o conde Reimão
de Tolosa, de quem nasceu D. Afonso de Castela, também denominado Emperador; D.
Elvira, casou com o conde D. Reimão de S. Gil; e D. Tareja casou com D.
Henrique, sobrinho do conde de Tolosa, dando-lhe o Emperador em casamento,
Coimbra com toda a terra até o castelo de Lobeira, uma légua além de
Pontevedra, na Galiza, toda a terra de Lamego e Viseu, que seu pai, o rei D.
Fernando e ele ganharam nas comarcas da Beira. Deu-lhe todo este território,
chamado condado Portucalense, com a
condição que o conde D. Henrique o servisse, fosse às cortes e, chamado e sendo
caso que fosse doente, ou tivesse outro legítimo impedimento, lhe mandasse às
cortes «um dos mais principais de sua
terra a seu serviço com trezentos de cavalo», concedendo-lhe ainda, a mais
terra que conquistasse aos mouros e, tomando-a, a acrescentasse ao seu condado,
o que ele e seus sucessores fizeram, não sem grandes trabalhos e arriscados
perigos, como mais adiante, em outras publicações, se verá. E não querendo o
conde D. Henrique cumprir com isto, qualquer que fosse o rei de Castela, podia
tomar a terra e mais toda a outra que o dito conde e seus sucessores tivessem
conquistado, e fazer dela o que lhe aprouvesse, como de coisa sua.
A causa por que o condado se chamou Portucale, e depois Portugal, teve a ver com um assentamento localizado na
foz do rio Douro (Cale), que, por aí
aportarem mercadores e navios, foi povoado, outrossim, por pescadores pelo rio fora
ancorarem e estenderem as suas redes noutro local mais conveniente, se povoou estoutro
lugar que se chamou Portus, depois
cidade principal, donde juntando estes dois nomes, terá derivado o nome de
Portugal.
Era costume naquele tempo, que todos os filhos de
reis se chamassem reis, assim como as filhas rainhas, mesmo os filhos
bastardos, assim sendo, apesar de que D. Afonso de Castela tivesse dado o
condado de Portugal ao conde D. Henrique, porém ele nunca se chamou rei, embora
a sua mulher, filha de D. Afonso, se chamasse rainha, nem mesmo o filho, o
príncipe D. Afonso, cuja geração veio de reis, só a partir da vitória na grande
batalha de Campo d’Ourique, contra cinco reis mouros, onde foi levantado por
Rei de Portugal, passou a ser tratado por esse título. Da parte do pai, D.
Afonso Henriques era neto do rei da Hungria, da parte da mãe era neto de D.
Afonso VI de Castela. Deste conde D. Henrique e da rainha D. Tareja descendem
os Reis de Portugal.
Casados, o conde D. Henrique com D. Teresa, logo
durante o período da gravidez, o seu grande privado, D. Egas Moniz, nobre
fidalgo, que com ele viera de França e a quem ele fizera muitas mercês,
pediu-lhe que «qualquer filho ou filha
que a Rainha parisse», lho desse para criar. Veio a nascer (1094) uma
criança «grande e formosa», mas com
as pernas «tão encolhidas», que todos
os Mestres julgavam que jamais delas poderia recuperar.
Egas Moniz, assim que soube do nascimento, cavalgou a
toda a brida para Guimarães, pedindo ao conde que lhe desse o filho nascido
como prometera, para o criar. O conde lhe disse que não quisesse tomar tal
encargo, pois o seu filho nascera «por
seus pecados tolheito de modo, que todos tinham que nunca guareceria», e
nunca seria homem. Muito pesaroso D. Egas, disse: «Senhor, antes cuido eu que por meus pecados aconteceu; mas a Deus
aprouve tal ventura, dai-me todavia vosso filho, quejando quer que seja».
Posto que D. Henrique tivesse grande acanhamento pelo bem que queria a D. Egas,
«de o encarregar de semelhante criação»,
para o comprazer lho entregou. D. Egas Moniz, ao ver uma criança tão formosa e
com tal «aleijão», com muita
compaixão dela, confiando muito que Deus a poderia tornar numa criança normal e
saudável, a tomou e fez criar, com tanto cuidado e amor como se fora uma
criança sã.
Tendo já D. Afonso 5 anos, estando uma noite D. Egas
Moniz a dormir, lhe apareceu nossa Senhora e disse: «D. Egas, dormes». Acordando ele a esta voz e visão, perguntou: «Senhora, quem soes vós?» Ela respondeu:
«Eu sou a Virgem Maria, que te mando que
vás a um tal lugar», indicando-lhe o tal lugar, «e faze aí cavar e acharás aí uma igreja, que em outro tempo foi
começada em meu nome, e uma imagem minha; faze correger a Imagem e a igreja
feita em minha honra; isto feito, farás aí vigília poendo o Menino que crias
sobre o altar, e sabe que guarecerá e será de todo são, e não menos te trabalha
daí avante de o bem guardar e criar, como fazes; porque meu filho quer por ele
destruir muitos inimigos da fé».
Logo pela manhã se foi Egas Moniz ao lugar que lhe
fora dito, mandando aí cavar e, achando a igreja e Imagem, fez tudo o que nossa
Senhora lhe mandara, recuperando o Menino do «aleijão» como se nunca tivera tal defeito.
Perante este milagre, D. Egas Moniz deu muitas graças
e louvores a Deus, criando a partir daí a criança com muito mais cuidado, tendo
sido sempre seu aio até que seu pai faleceu em Astorga, numa idade em que ele
já supria nas guerras as fadigas e trabalhos de seu pai. Em razão deste milagre
foi depois feito nesta igreja o mosteiro de Cárquere (Resende).
Diz também Duarte Galvão, autor da Crónica de El-Rei
D. Afonso Henriques, que embora alguns contem que ele nasceu além-mar e foi
batizado no rio Jordão, na documentação que por certo terá consultado, achou mais
ser verdade o seu nascimento, nos factos acima relatados.
Fontes:
Crónica d’El-Rei D. Afonso
Henriques por Duarte Galvão, Biblioteca de Clássicos Portugueses (Volume LI)História de Portugal por J.P. Oliveira Martins, Tomo I – Lisboa Livraria Bertrand (1882)
Parabéns pela partilha de um acontecimento histórico de grande relevo, por vezes adormecido na nossa memoria.
ResponderEliminarMuito obrigado pelo comentário!
EliminarObrigado!
EliminarÉ bom saber que há pessoas que se interessam pela nossa História.
É sempre bom saber algo sobre a nossa história
ResponderEliminarÉ importante conhecermos a nossa história.
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