sábado, 28 de abril de 2012

Debates e intervenção pública


O debate público é fundamental em democracia. Pode dizer-se que faz parte do dever cívico do cidadão intervir em debates, participando ativamente, apresentando as suas ideias, colocando dúvidas, levantando questões, para avaliar a validade dos argumentos das várias teses em disputa e sugerindo soluções para se chegar a uma conclusão informada.
O debate permite um escrutínio das questões de base por parte das populações, ficando estas mais informadas sobre os temas, podendo cada cidadão tomar decisões ou ter posições mais informadas em relação à questão ou questões em causa. Serve não apenas para tornar claras as diferenças das várias opções, mas também para se encontrarem os pontos comuns.
Em Portugal temos uma democracia representativa que se concretiza pela eleição regular dos nossos representantes em escrutínio universal e secreto, mas tal não impede que a tornemos mais participativa. Para que isso aconteça, é necessário termos uma sociedade civil ativa, organizada, que mobilize e incentive os cidadãos a participar na criação de alternativas conducentes à resolução dos problemas do coletivo.
A democracia deliberativa tem necessidade de justificar as decisões tomadas pelos cidadãos e pelos seus representantes, esperando-se que ambos justifiquem as leis que querem «impor» uns aos outros. Numa democracia, os líderes devem justificar as suas decisões e responder às razões que são apresentadas pelos cidadãos. As pessoas devem ser tratadas não como meros objetos das leis ou como sujeitos passivos da governação, mas como agentes autónomos que participam diretamente ou através dos seus representantes no governo da sua própria sociedade.

sábado, 21 de abril de 2012

Obedientes e revoltados


“O homem é um animal cívico, um animal político”, “somos bichos sociáveis, mas não instintiva e automaticamente sociais”.
Ao contrário das outras espécies animais, como seres humanos inventamos formas diversas de sociedade em que nascemos e que vamos transformando fazendo novas experiências de organização, ou seja, repetimos gestos e obedecemos às regras do grupo (como qualquer animal), contudo, se não estamos de acordo desobedecemos, revoltamo-nos, quebramos as rotinas e as normas estabelecidas. O ser humano é o único animal capaz de se amotinar.
Não o fazemos sistematicamente e é normalmente contrariados que obedecemos. Protestamos ao fazer o que os outros querem e é necessário que nos convençam, e muita das vezes nos obriguem, antes de acedermos a desempenhar o papel que nos atribuem na sociedade. Disse Kant que os humanos são “insociavelmente sociáveis”, não vivemos em sociedade apenas a obedecer e a repetir, mas também a revoltar-nos e a inventar.
Mas a nossa revolta não é contra a sociedade, mas contra uma determinada sociedade. Não pela simples razão de que não queremos obedecer a nada e a ninguém, mas porque queremos melhores razões, mais justas, por queremos ser governados por leis mais dignas de respeito. Somos “insociavelmente sociais”, mas não associais ou simplesmente antissociais.

sábado, 14 de abril de 2012

O envelhecimento demográfico



O envelhecimento não tem vindo a ser encarado sempre da mesma maneira ao longo dosséculos. O seu conceito tem sofrido grandes alterações na forma de ser percebida e sentida, variando estas de acordo com culturas e diferente evolução das comunidades. O envelhecer há 50 anos atrás não constituía um problema, sendo encarado como um fenómeno natural, na medida em que não só as pessoas que envelheciam não eram muitas, como o aproveitamento e imagem que a sociedade tinha da população que envelhece era diferente daquela que se tem hoje.
O mercado de trabalho competitivo, a sobrevivência, a falta de informação sobre educação e respeito ao idoso entre pais e filhos parecem justificar, em parte, o modelo familiar de hoje. Mesmo com a estrutura familiar “adoecida”, o idoso, em geral, não prefere morar só. A família é o núcleo por excelência no qual os idosos buscam apoio para sua vivência afetiva. O carinho e o respeito da família contribuem decisivamente para um final de vida feliz.
Contrariamente, verifica-se que é mais fácil criarem-se depósitos de idosos (lares, centros de dia...) do que propriamente se tentar encontrar outras soluções para se manterem os idosos junto das suas famílias, que, infelizmente, muitas vezes apenas os vêm como estorvo. E quantos idosos não vemos sentados sozinhos em bancos de jardins.
A sociedade moderna marginalizou "os velhos" dando prioridade a valores ligados à produtividade, rentabilidade, consumo excessivo, etc., face aos quais, as pessoas com 65 e mais anos não estão em condições de competir, pois até são considerados "pouco produtivos", votando-os ao esquecimento e solidão e, em consequência, à marginalização.

sábado, 7 de abril de 2012

O Homo Sacer atual


A figura do direito arcaico romano, o homo sacer (homem sagrado, no sentido negativo), que teve alguma aplicabilidade em condições históricas concretas, no mundo atual e em virtude da contínua perda de limites espácio-temporais do estado de exceção, tornou-nos a todos potenciais homines sacri (homens sagrados).
Ao longo da história do último século a figura do homo sacer reapareceu sob diversas formas: o refugiado, o indivíduo cuja vida é considerada indigna de ser vivida, os indivíduos e povos submetidos à eugenia e ao extermínio, o indivíduo no estado ultracomatoso e o neomorto e, por fim o indivíduo encarcerado num campo.
Ao refugiado, precisamente por estar destituído de cidadania, propriedade, profissão, mais não lhe deveriam restar senão os direitos associados à sua estrita condição de ser humano, o objeto e o sujeito essencial da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão mas, no sistema do Estado-nação, estes direitos, sagrados e inalienáveis, estão desprovidos de toda a tutela e realidade, na medida em que não é possível configurá-los como cidadãos de direito de um Estado. A partir da 1ª Guerra Mundial, com o aparecimento de novas nações, a relação nascimento-nação deixou de poder desempenhar a função de legitimação de cidadania, quebrando-se a continuidade entre natividade e nacionalidade que se acrescenta à distinção, ou mesmo oposição, entre homem e cidadão.
Ao longo do século passado até hoje o número de refugiados não tem parado de crescer, constituindo uma parte não negligenciável da humanidade, devendo assim ser considerado um conceito-limite ao colocar em causa as categorias fundamentais do Estado-nação, evidenciando a realidade do campo no novo modelo biopolítico.