domingo, 7 de junho de 2015

Memorial do Convento – As relações laborais da época e as atuais

O Memorial do Convento, como as obras de José Saramago que li, é um documento que pretende guardar, para a memória dos povos, o sofrimento e os atos heroicos do povo anónimo, a mole humana que sempre tem sido suporte, a base, para que outras personagens se possam lançar em grandes feitos e se reclamem depois, eles, os seus únicos autores.
Servir e ser servido sempre será uma necessidade presente no quotidiano do ser humano. Ninguém é autónomo e cada um de nós precisa do apoio do seu semelhante. Porém, a exploração é um fator que está sempre presente nas relações humanas e essa terá sido uma das razões por que a humanidade, na sua evolução, tenha criado as classes sociais.
Assim, pelas suas capacidades físicas e intelectuais, se evidenciam mais uns em detrimento de outros e se extremam posições, havendo uns que se apoderam de mais recursos e outros que cada vez os têm a menos, acabando aqueles por dominar estes e, à medida que se avança no tempo, reduz-se o número dos que têm mais e engrossam as fileiras dos que têm menos.
Ontem como hoje, são as classes dominantes que ditam as leis e essas classes são, naturalmente, as mais ricas, as que têm mais recursos. Embora na atualidade vivamos em democracia e as leis que nos regem procurem fazer com que as relações entre os cidadãos se pautem pela igualdade, todos nós sabemos que um cidadão pobre, sem recursos, é vulnerável e frequentemente vítima de injustiças, tem poucas possibilidades de se defender na justiça e que, para sobreviver, tem como único recurso a sua força de trabalho que submete ao arbítrio de quem lhe der o pão a ganhar.

No século XVIII vivia-se o período absolutista. O país era governado por uma monarquia que em virtude das enormes riquezas vindas das possessões ultramarinas, nomeadamente do Brasil, vivia no fausto e alimentava à sua “mesa” um exército de nobres ociosos a que não faltavam também os membros do clero. A corrupção, o luxo, a vaidade, a hipocrisia e a luxúria imperavam, enquanto o povo vivia na ignorância e na miséria. Para dar satisfação às suas fantasias os poderosos serviam-se de um povo que forçava a laborar de sol a sol e a quem pagava mal, castigava os relapsos e não hesitava, em última instância, a recrutar trabalhadores sob prisão.
Presentemente, na nossa “democracia”, o trabalho não é “de sol a sol”, mas os efeitos da situação de crise em que o país vive fez com que fechassem muitas empresas, outras reduzissem o número de trabalhadores e que o exército de desempregados fosse engrossando, a tal ponto que, perante o aumento da oferta de mão-de-obra, os empregadores baixaram os níveis salariais e, muitas das vezes, os colaboradores que “são solicitados” a trabalho extraordinário e mal remunerado, se veem coagidos a aceitar essas condições, facto que se estende, pasme-se, até ao empregador Estado que deveria ser o primeiro a dar o exemplo de boas práticas.
Em suma, se quisermos estabelecer um paralelismo entre as relações laborais do século XVIII e o século XXI, pondo de parte as condições de trabalho da época anterior e as de hoje, muito mais facilitadas devido ao avanço tecnológico, direi que tudo está na mesma, com a diferença de que hoje estas relações estão “protegidas” por leis que, face às contingências de precariedade e de insegurança relativamente ao futuro, são violadas por praticamente todos: uns porque veem nisto uma oportunidade de aumentar as suas fortunas, outros porque não lhes resta outra alternativa para irem garantindo o seu sustento e das suas famílias.

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